O eleitoralismo do défice zero

Na proposta que o Governo fará do Programa de Estabilidade perceberemos para que lado António Costa pendeu: se para o eleitoralismo de apresentar uma meta de défice zero ou para a sensatez de colocar esse dinheiro onde ele faz mesmo falta.

Abril está ao virar do fim de semana e, com ele, chega um debate fundamental para as políticas públicas, sobre o Programa de Estabilidade 2019-2023. Este documento macroeconómico cumpre a função de explicar à Comissão Europeia os grandes números das escolhas económicas do próximo quadriénio, antevendo o desempenho da economia, das contas públicas, etc.. Mas, é também o início da conversa sobre a política orçamental a adotar por Portugal nos próximos anos.

Este debate assume uma particular relevância num contexto em que o Governo acabou de apresentar a sua previsão para o défice de 2018, onde alcançou uma meta aquém do calculado. Entre o previsto e o executado, as contas públicas terão apresentado uma diferença de 500 milhões de euros.

Mário Centeno, ministro das Finanças, explicou que o resultado se explica pela dinâmica económica que ficou acima do previsto e influenciou positivamente as receitas fiscais. Diz ele que tivemos um “aumento da receita do Estado com impostos além do previsto, não pelo aumento das taxas, mas sim pela aceleração da economia: 80% desse aumento da carga fiscal é nos impostos que baixaram, cujas taxas baixaram.” Por outro lado, “com a criação de mais emprego, há mais pessoas a pagar impostos e contribuições para a Segurança Social, cujas receitas aumentaram 7,5%”.

O que não quis explicar é que há um lado lunar nestas contas, explicado pela falta de investimento, as atividades suspensas ou a despesa adiada. O Ministério das Finanças está a ficar conhecido por ter secretárias com gavetas tão grandes, que é possível perder-se durante meses (ou anos) pedidos dos diversos ministérios para a contratação de pessoal, a realização daquele investimento essencial ou, até, meramente para a realização de despesa corrente variada. A meta de défice é o espelho do que também ficou por fazer no país.

Esse é um dos problemas do atual modelo de gestão das contas públicas. O objetivo do exercício de um ano orçamental passou a ser o cumprimento do défice, subalternizando o cumprimento das políticas públicas definidas no Orçamento do Estado a esse dogmático propósito. Por isso mesmo, a gestão pública passa a ser de mínimos olímpicos durante os primeiros 11 meses do ano, só abrindo as gavetas do ministério das Finanças no mês de dezembro. Chegados aí, é um ver se te avias generalizado. Contudo, sejamos claros, esta prática é uma má gestão da coisa pública, porque retira qualquer capacidade estratégica às políticas públicas, reduzindo-as a mero expediente. Por isso mesmo o investimento público tem andado nas ruas da amargura.

Mas, o motivo desta crónica não é chorar sobre o leite derramado da gestão orçamental de 2018, é refletir o que se pode fazer com a folga que isso significa para 2019. O que fazer com os 500 milhões de euros que inesperadamente chegaram em 2018? Quais as prioridades a que devemos atender?

A primeira questão que muitos podem colocar é se há alguma exigência da Comissão Europeia sobre o que fazer com este dinheiro. Não há. O Governo acordou em outubro passado com a Comissão Europeia um orçamento com a meta de défice de 0,2% para 2019. Aliás, olhando para o cenário europeu e conjugando a análise do défice ao gigantesco superávit primário que o nosso país apresenta, não há nenhuma ponta por onde a Comissão Europeia nos possa pegar.

As agências de rating concordam com a meta de défice de 0,2% ou querem uma redução maior? Pela forma como os juros da dívida pública têm estado a cair, é possível dizer que não há nuvens negras nesse horizonte.

Podemos, então, usar a folga de 500 milhões de euros para ajudar os serviços públicos? Podemos e devemos, porque é aí onde estamos a atrasar as respostas que são urgentes. Na qualificação dos serviços públicos como a saúde ou a educação, na valorização dos seus profissionais, na melhoria da nossa qualidade de vida coletiva. É esta a forma colocar o bom desempenho da economia ao serviço do que é de todos nós.

Na proposta que o Governo fará do Programa de Estabilidade perceberemos para que lado António Costa pendeu: se para o eleitoralismo de apresentar uma meta de défice zero ou para a sensatez de colocar esse dinheiro onde ele faz mesmo falta.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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