Onde está o Dia do Padrasto (e da Madrasta)?

Onde está o Dia do Padrasto e o Dia da Madrasta? Temos de o encaixar — injustamente — no Dia do Pai e no Dia da Mãe? Não, não, não. Recuso. Um padrasto não substitui um pai, mas complementa-o.

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Tina Bo/Unsplash

A palavra pai não tem, para mim, o melhor significado do mundo. Antes pelo contrário, ouvir dizer “o teu pai” faz-me estremecer, instiga-me o instinto que tive ao longo de toda a infância de me querer esconder debaixo de uma cama para que ele não me pudesse levar para longe — falei disso recentemente. Nesse sentido, não tenho pai. Isto é, ele existe, mas não está na minha vida, nem quero sequer que esteja.

Até há poucos anos, costumava dizer que o Dia do Pai era só o 19.º dia do terceiro mês de cada ano, porque, não havendo pai, não havia motivo de celebração. Estava a ser injusto, porque tenho um pai, só não lhe dou essa denominação. Trato-o pelo nome próprio – Francisco –, porque ele não merece que o trate por pai (lembrem-se: para mim, “pai” é uma palavra má). O Francisco é o meu padrasto, e tem sido melhor do que qualquer pai que eu pudesse ter tido. Amou-me, abraçou-me como a um filho, deu-me conselhos e, em conjunto com a minha mãe, educou-me de uma forma que me faz ter algum orgulho do homenzinho em que me tornei.

Tenho esta convicção desde há uns anos: a minha geração, a dos que nasceram na segunda metade dos anos 80, é a primeira que sabe com elevado grau de certeza que vai passar por um divórcio no seu tempo de vida. Foram raros os nossos avós que se divorciaram, mas o evento começou a ser muito mais comum entre a geração dos nossos pais. A ponto de, hoje, sabermos que é mais ou menos inevitável que nos divorciemos e voltemos a reorganizar os núcleos familiares — hão-de ser os meus filhos, os teus filhos e os nossos filhos à mesma mesa, e não há mal algum nisto. (Um amigo meu contou-me há uns tempos que os almoços de domingo eram com os filhos todos, mais o ex-marido e a ex-mulher e os respectivos filhos. Uma animação.) Este evento tantas e tantas vezes repetido fará nascer entre os pais e mães um igual número de padrastos e madrastas. Amor a dobrar, portanto.

Mas, assim, onde está o Dia do Padrasto e o Dia da Madrasta? Temos de o encaixar — injustamente — no Dia do Pai e no Dia da Mãe? Não, não, não. Recuso. Um padrasto não substitui um pai, mas complementa-o. Na generalidade dos casos — não no meu, infelizmente — é amor a dobrar, por isso é preciso que haja um dia a dobrar para estarmos gratos pelas pessoas que educam os enteados como se de filhos se tratassem.

De alguma forma, quase podemos ambicionar uma vida em que haja pais e mães e harmonia com padrastos e madrastas, porque esse é um mundo em que já vivemos — e ainda bem. Eu tenho zero pai — tenho um Francisco que vale por mil —, mas estou convicto de que todo o mundo que tenha amor a dobrar é um bom mundo para crescer.

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