Na rota dos mais frágeis

Vai sendo tempo de reforçar a intervenção e o papel das Nações Unidas no combate à degradação planetária.

O ciclone tropical Idai terá sido o pior da última década na região sudoeste do Índico, deixando um rasto de destruição e sofrimento numa extensa área de Moçambique, Malawi e Zimbabwe. Um evento extremo que se poderá inscrever na tendência global das alterações climáticas, sendo que se antecipa um aumento na intensidade e frequência destes fenómenos, e na magnitude dos seus impactos, os quais também se agravam em consequência das transformações que a atividade humana vai impondo sobre o ambiente natural.

Moçambique parece ser um dos países africanos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos, pelo que se impõe encarar de forma preventiva e organizada o problema, colaborando na implementação de mecanismos de antecipação dos riscos neste território africano que nos é tão próximo, e de modo geral numa estratégia eficaz de prevenção e resiliência. A verdade é que nenhum país está preparado para este tipo de catástrofes, pelo que dificilmente podemos esperar respostas ajustadas daqueles que lutam todos os dias para garantir a viabilidade das infraestruturas básicas. Vale a pena recordar que estamos perante um país cujo índice de fecundidade é um dos mais elevados do mundo, registando um aumento de cerca de 40% da sua população nos últimos dez anos. Números que nos devem interpelar.

A tragédia humana, social e ambiental que se vive por estes dias em Moçambique, e que todos acompanhamos com profunda mágoa em Portugal, não acabará nas próximas semanas; o seu impacto perdurará por muitos anos, contribuindo para debilitar ainda mais a delicada economia moçambicana, com consequências especialmente graves para os quotidianos já tão difíceis das comunidades mais pobres e mais frágeis. Esta condição de carência generalizada atormenta ainda mais face à incapacidade que continuamos a revelar para responder aos problemas globais. Que respostas se podem esperar destas populações agora deslocalizadas, sem contexto, quando sabemos que sempre viveram numa dependência extrema de um lugar e dos recursos naturais aí disponíveis?

A grave deterioração das condições ambientais da região afetada, a devastação de uma modesta economia rural e a consequente escassez de bens alimentares tem um impacto brutal na qualidade de vida destas populações, em especial nas condições de saúde. As populações mais pobres que vivem em meios rurais e nas periferias urbanas, e aquelas que naturalmente mais sofrem o impacto da catástrofe, são as que normalmente também vivem em condições ambientais mais degradadas, sentindo os efeitos cumulativos de habitações deficientes e inseguras, sobrepopulação, falta de água e saneamento, alimentação pouco saudável, poluição da água e suscetibilidade a todo o tipo de doenças (a malária, as doenças respiratórias crónicas e infeções infantis, entre outras).

Para além do efeito imediato sobre as populações atingidas – a perda de vidas humanas, o sofrimento e a fome –, a desagregação das comunidades e das aldeias, no limite da viabilidade, implicará a respetiva mobilidade ou a migração, multiplicando o esforço de acolhimento no próprio país e em países igualmente frágeis do continente africano. Esta é uma situação humanamente intolerável, e que exige respostas globais urgentes. Vai sendo tempo de reforçar a intervenção e o papel das Nações Unidas no combate à degradação planetária, às alterações climáticas, incentivando o empenho coletivo na recuperação dos ecossistemas e uso sustentável dos recursos naturais, e o apoio efetivo às profundas transformações sociais. “Ninguém pode ficar para trás.” [1]

[1] Na região de Sofala, uma das mais afetadas pelo ciclone, tenho acompanhado o admirável trabalho de reabilitação do Parque Nacional da Gorongosa, numa parceria entre o governo de Moçambique e a Fundação Carr. Um projeto que tem recuperado os ecossistemas e a biodiversidade do parque, não descurando o desenvolvimento humano das comunidades residentes. Esta catástrofe é um sério revés numa senda positiva, mas espero que se torne numa oportunidade para reforçar o compromisso de harmonia entre a conservação da natureza e o bem-estar das populações, valorizando a ecologia no desenvolvimento e prosperidade destes territórios.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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