A Zona Franca da Madeira: Vestager contra Vestager

Alguém compreende que uma empresa com vocação internacional se instale na Madeira mas esteja impedida de gerar rendimentos fora dos limites da ilha?

A comunicação da Direcção Geral da Concorrência (DGCom) sobre a Zona França da Madeira (ZFM), publicada na semana passada no jornal oficial da UE, poderá fazer sorrir de felicidade Catarina Martins, Ana Gomes ou os concorrentes de Portugal com jurisdições específicas para a atração de Investimento Directo Estrangeiro ((IDE), mas, em boa verdade, o essencial do seu conteúdo viola os princípios básicos da competitividade, sobretudo para actividades tipicamente internacionais em ambiente globalizado, precisamente o elemento essencial para a diversificação da economia da Madeira.

Foi há mais de 30 anos que a UE aprovou uma boa ideia para estimular o desenvolvimento regional de uma ilha no meio do Atlântico com um mercado interno de 250 mil habitantes. Com vantagens fiscais era possível ter a esperança de atrair novos investimentos que criassem emprego e gerassem riqueza. Estava assim dado o contributo para ajudar a coesão social.

Os resultados não escondem que este mecanismo é incontornável na economia da Região e relevante no quadro nacional: entre 2016 e 2018 contribuiu com 317 milhões de euros de receitas fiscais (no quadro da política de coesão do país é menos esforço nacional), criou novos postos de trabalho e gerou riqueza próximo dos 15% do PIB regional; além disso, contribuiu para 13% do IDE do país.

Hoje, numa altura em que os condicionalismos estruturais não desapareceram da ilha e que os resultados da aplicação deste mecanismo começam a surgir ao nível da coesão e da diversificação da economia, vem dizer Margrethe Vestager, comissária europeia para a Concorrência, que todas “as atividades (beneficiárias da vantagem fiscal) devem ser executadas de forma efetiva e material na Madeira...”.

Tendo em conta que as áreas de investimento, consideradas beneficiárias de vantagem fiscal, de acordo com o regime em análise, são predominantemente internacionais, é difícil compreender como defender este argumento de forma tão restritiva sem bater de frente com o objectivo essencial de promoção da coesão do arquipélago? Eu explico: alguém compreende que uma empresa com vocação internacional se instale na Madeira, mas esteja impedida de gerar rendimentos fora dos limites da ilha e deslocar recursos humanos para outras geografias? Pensem comigo: a Web Summit, por exemplo, é um poderoso mecanismo de atração de investimento tecnológico. A ZFM está bem posicionada para ser um dos polos principais deste movimento empreendedor e de deslocação empresarial, mas estes potenciais investimentos nunca se fixariam na Região se estivessem excluídos de gerar rendimentos fora dos seus limites, tendo em conta a diversidade de actividades envolvidas e as geografias em que algumas dessas actividades podem estar associadas. Por outro lado, seria um pouco primitivo e bastante menos competitivo (violando premissas do mercado interno) não aceitar diferentes e cada vez menos tradicionais relações de trabalho no contexto destes potenciais novos investimentos.

Este travão interpretativo, que espero seja esclarecido, não acompanha a realidade nem promove o objectivo de promoção da coesão territorial. Mas mais: este caminho favorece jurisdições concorrentes da Madeira e por isso é ele próprio um obstáculo à concorrência entre regimes fiscais espalhados pela Europa. Na prática, a visão absolutamente restritiva da DGCom, com objectivo de evitar ajudas de Estado a empresas que se instalam na ZFM, promove, por outro lado, vantagens específicas a outras jurisdições, prejudicando a concorrência.

Querendo ou não, a Sra. Vestager, ao estabelecer requisitos restritivos para qualificar a criação de trabalho, ignorando as diferentes formas de relação de trabalho legalmente previstas no Código de Trabalho português, ou limitando a geração de rendimentos aos limites da Madeira, num angustiante atropelo à evolução económica num mundo globalizado e cheio de novos sectores, está a abrir uma enorme autoestrada para que jurisdições concorrentes à Madeira puxem para si as empresas que escolheram, ou venham a escolher, Portugal para operar. Caímos, pois, numa peculiar situação em que a poderosa DGCom é ela própria geradora de obstáculos à concorrência, entre regimes fiscais na Europa.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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