Fisco aperta a malha a mais 800 cidadãos com grande património

Autoridade Tributária passou a pente fino sinais exteriores de riqueza, fluxos offshore, cargos e participações em empresas. Unidade dos Grandes Contribuintes deverá fiscalizar quem está casado com alguém com fortuna.

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Pablo Blasberg/Getty Images

Assim que há um ano a Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da administração fiscal reforçou os poderes para fiscalizar os cidadãos com mais rendimento e património, o trabalho de campo dos inspectores tributários começou a dar os primeiros frutos, com a descoberta de mais pessoas com fortuna e o pagamento voluntário de IRS em falta.

Bastou aos inspectores tributários cruzarem informação para, em poucos meses, terem identificado mais de 800 grandes contribuintes com uma situação tributária que os coloca na órbita da UGC, seja pelas manifestações de fortuna, pela valorização das participações em empresas, pelas transferências realizadas para contas em paraísos fiscais ou simplesmente por estarem casados com quem já faz parte do cadastro deste serviço central da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Ao leque de 758 pessoas já acompanhadas pela UGC poderão agora juntar-se 868 novos identificados, fazendo duplicar o universo dos singulares ali registados para mais de 1600 contribuintes.

Ao todo, a UGC concluiu que aquelas 868 pessoas preenchem pelo menos um dos critérios previstos para serem fiscalizados por esta unidade (ter mais de 750 mil euros de rendimento ou mais de cinco milhões de euros de património, ter manifestações de fortuna correspondentes a isso ou ter uma “relação jurídica ou económica” com essas pessoas).

Para chegarem aqui, os inspectores cruzaram várias fontes de informação internas e externas. A fatia mais importante dos casos identificados (390) tem justamente a ver com a inclusão dos cônjuges dos contribuintes que já pertencem ao cadastro da UGC.

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Ao consultarem as bases de dados da AT, os inspectores identificaram mais 188 pessoas com um rendimento acima dos 750 mil euros (2015 a 2017) e mais 55 com um património acima dos cinco milhões de euros. Números a juntar aos actuais 539 e 215, respectivamente, da lista desta unidade.

Dados de outros países

Os inspectores foram incumbidos de fazer uma análise fina às pessoas com manifestações de fortuna ou património notório. Identificaram 64 pessoas. Para isso foi preciso juntar várias pontas: olhar para a valorização das participações accionistas, para os cargos nos órgãos sociais das grandes empresas já acompanhadas pela UGC, analisar os dados da troca de documentos enviada pelas outras administrações tributárias, recolher informações numa grande base de dados internacional, cruzar documentos das conservatórias do registo comercial.

Também foram fiscalizar transferências para offshores comunicadas pelos bancos no Portal das Finanças (as famosas declarações Modelo 38). E aí foi possível detectar cinco contribuintes que enviaram mais de cinco milhões de euros para contas por si detidas num paraíso fiscal (onde o beneficiário era o próprio ordenante da transferência).

Para a lista entram também 181 cônjuges de novos contribuintes identificados. E desta recolha cruzada chega-se aos 868 indivíduos adicionais no radar da UGC (uma soma que desconta os cidadãos “duplicados”, isto é, os que preenchem mais do que um dos critérios que fazem saltar para a lista esta unidade).

À directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, Helena Borges, caberá agora analisar uma proposta fundamentada da UGC para decidir formalmente se esses 868 nomes ficam alocados a esta estrutura nuclear.

3,4 milhões em falta

Aos contribuintes que já são acompanhados houve mais de 450 acções de fiscalização, umas para aferir divergências, outras decorrentes de controlos normais ou da informação recebida de outros países. Este raide levou à correcção da situação tributária em 146 casos onde se encontraram 3,4 milhões de euros de imposto em falta, isto é, uma média de 23,4 mil euros em cada um.

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A directora-geral do fisco, Helena Borges, decide se os 868 contribuintes passam para a UGC ENRIC VIVES-RUBIO

Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, a taxa média efectiva de IRS deste universo de contribuintes rondou os 39% (a estes contribuintes aplica-se a taxa de 48% ao patamar de rendimento mais alto, mais a taxa adicional de solidariedade, o que, em resultado da aplicação da progressividade do IRS, levam àquela taxa média).

É da UGC que hoje emana cerca de 45% da receita arrecadada pela AT, porque é aí que são acompanhados não só os singulares mas também os maiores grupos económicos, desde a grande distribuição às telecomunicações, passando pelas eléctricas, bancos ou empresas de construção. Desde que foi lançada, a UGC foi ganhando competências, passando a acompanhar, no núcleo das empresas, as seguradoras, as mutualistas, os fundos de investimento, as sociedades gestoras de capital de risco e outras entidades supervisionados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

No conjunto de toda a administração fiscal tem havido uma orientação de topo para uma aposta nas acções preventivas, para induzir o cumprimento voluntário. Para este ano foi proposta uma diminuição em 10% na meta das correcções, ao mesmo tempo em que o objectivo das acções de prevenção subiu 9%.

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