A NATO aos 70

No ambiente estratégico de hoje, a NATO continua a fazer sentido e é por isso que vale bem um esforço dos dois lados do Atlântico.

Dia 4 de Abril, a NATO faz 70 anos. E os ministros dos Negócios Estrangeiros vão encontrar-se em Washington para celebrar o seu aniversário. A NATO, diz o Economist, é a maior, mais forte e mais duradoura das alianças militares da história. Entre democracias, digo eu. Teve sucessos e fracassos, atravessou crises várias e não faltou quem lhe vaticinasse o fim à vista. Mas sobreviveu sempre. Mudou, encontrou novas funções estratégicas e, hoje, está condenada a continuar.

Fundada em 1949 contra o expansionismo soviético na Europa, a Aliança Atlântica esteve no centro da guerra fria e funcionou, sempre, como aliança de defesa colectiva. Foi o guarda-chuva nuclear e convencional para a Europa ocidental e a América do Norte e a garantia de segurança do Ocidente. Nunca se desviou dessa missão e nunca violou a linha divisória da Europa traçada em Yalta, no fim da 2.ª Guerra. Nem mesmo perante as invasões soviéticas na revolução húngara em 1956 ou na Primavera de Praga em 1968. Ao fim de 40 anos teve o seu momento de glória: venceu a guerra fria. Ora, paradoxalmente, é o fim da guerra fria que faz desaparecer a razão de ser da sua existência. O colapso do império soviético, a reunificação da Alemanha e as democratizações na Europa de leste puseram termo ao comunismo e à ameaça soviética. Assim não fazia sentido. A NATO não podia continuar como era: ou se extinguia ou se transformava. Escolheu a transformação: alargou-se a leste, no plano político, e mudou a missão, no plano militar. A guerra fria não terminou, como as outras guerras, com um tratado de paz. Mas nem por isso deixou de ter vencedores e vencidos e a vitória não deixou de ficar inscrita na geografia política. A NATO cumpriu essa função: abriu as portas e integrou os antigos inimigos do Pacto de Varsóvia. Não poderia haver melhor símbolo da vitória.

Por outro lado, sem um inimigo com rosto, mudou também a natureza da sua missão: a aliança de defesa colectiva transformou-se em organização de segurança internacional. E o mundo pós-guerra fria não tardou a oferecer-lhe oportunidades para exercer as funções que acabara de inventar: gestão de crises, operações de paz e por vezes mais do que isso. Primeiro, nas guerras civis na ex-Jugoslávia, na Bósnia, no Kosovo. Depois do 11 de Setembro, na missão no Afeganistão. Mas aí não teve o mesmo sucesso. Quase duas décadas de operações não conseguiram derrotar os talibãs e a situação está longe de estar estabilizada. Também na Líbia, o que deveria ser uma intervenção humanitária acabou numa operação de mudança de regime com a queda de Kadhafi e o vazio político que se lhe seguiu, com as consequências que se conhecem. Também este esteve longe de ser um sucesso.

Tudo muda, porém, com a anexação da Crimeia em 2014. As intervenções russas na Geórgia e na Ucrânia tinham já anunciado o revisionismo agressivo de Putin. A anexação da Crimeia foi a sua confirmação e o sinal de que passara de uma posição defensiva para uma estratégia ofensiva. Regressa à Europa o espectro da ameaça, outrora do comunismo soviético, agora do nacionalismo russo. À NATO impõe-se uma nova mudança. Retoma o sentido das suas origens e regressa ao core business da sua função estratégica: a defesa colectiva. Defesa no sentido tradicional, mas agora, também, contra as novas ameaças tecnológicas: a guerra híbrida, os ciberataques e a subversão política das campanhas agressivas de fake news pelos trolls russos, que põem em causa não só as instituições, mas as próprias eleições democráticas.

Nada disto, porém, é novo. Estes são os desafios externos de sempre. Novos são os desafios internos e são estes a razão da crise. O primeiro e o mais grave chama-se Donald Trump. Pela primeira vez na sua história, a Aliança não tem liderança política. As críticas do Presidente americano e as dúvidas sobre o seu compromisso com artigo 5.º – a essência do Tratado – foram um golpe fatal na credibilidade da Aliança. E na confiança dos seus aliados. Por outro lado, a fraqueza com que trata Putin, o principal rival da NATO, só tem paralelo na força com que acusa os seus aliados de não pagarem o seu contributo. E este é o segundo desafio: a resistência dos europeus em contribuir de forma mais rápida e efectiva com 2% do PIB para as despesas com a Defesa. No ambiente estratégico de hoje, a NATO continua a fazer sentido e é por isso que vale bem um esforço dos dois lados do Atlântico. E não é só pela garantia de segurança. É também pela defesa de uma ordem democrática.

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