Bouteflika pode cair esta quinta-feira mas argelinos querem muito mais

Os militares decidirão da crise mas têm cada vez menos espaço de manobra perante a população.

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Os argelinos esperam uma saída para a crise RAMZI BOUDINA/Reuters

Terá Abdelaziz Bouteflika assinado já a carta de demissão? Esta quarta-feira foi um dia marcado pela deserção maciça dos apoiantes do ainda Presidente argelino. A declaração do general Ahmed Gaid Salah, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, na terça-feira, sugerindo a exoneração do Presidente, foi entendida como uma intimação. Admite-se que nesta quinta-feira haja um desenlace. Contudo, a simples renúncia de Bouteflika já não satisfaz o movimento popular nem resolve os dilemas do “sistema”. O risco de destabilização permanece muito alto.

A intervenção do general não foi improvisada nem pessoal, afirmou ao Le Monde a constitucionalista Fatiha Benabbou. “Foi fruto de um consenso na cúpula do Estado. Há notícia de contactos para encontrar o “sucessor” provisório. Se o Presidente não se demitir, cabe ao Conselho Constitucional declarar a sua incapacidade, nos termos do artigo 102 da Constituição. A função passaria a ser interinamente exercida pelo presidente do Conselho da Nação (câmara alta). O actual titular, Abdelkader Bensalah, é quase universalmente repudiado. Como resolver o imbróglio antes da próxima manifestação, na sexta-feira?

A proposta de Salah teve um acolhimento curioso: foi aplaudida pelo pessoal do regime, incluindo o jornal do governo, o El Moudjahid, e rejeitada pela maioria da oposição e independentes. Porquê? Responde o investigador Brahim Oumansour: “A eventual renúncia de Bouteflika está longe de responder às reivindicações da população argelina. No contexto actual, a aplicação do artigo 102 já está ultrapassada. Na rua, milhões reivindicam uma mudança radical do sistema.”

Os cenários duma transição não estão à vista. Todos dizem concordar com a passagem do poder para uma nova geração. “O problema é que a oposição foi aniquilada e há muito marginalizada no sistema político”, prossegue Oumansour. “A oposição precisa de tempo”. Por isso, “é preciso encontrar os mecanismos que permitam uma transição mais lenta, mais doce, de forma a evitar derivas. Mas isto não se pode fazer com os mesmos homens.” A memória das “primaveras árabes”, a que a Argélia escapou, está presente neste raciocínio.

Em contraponto, Mohcine Belabbes, líder da União para a Cultura e a Democracia (RCD, oposição) acusa Gaid Salah de “envenenar a situação” ao propor a aplicação do artigo 102, que já devia ter sido aplicado há anos. “É uma manobra de um grupo que quer salvar o sistema à custa do povo.” Exige eleições, observando que quem deve “entrar numa fase de transição é o Exército, (…) a quem não cabe dizer quem será presidente.”

Também Benabbou defende eleições. “É a única maneira de evitar o sistema de cooptação. (…) Não é uma transição, mas uma sucessão assegurada pelo texto constitucional. (…) É o procedimento mais democrático. O único que permite designar uma pessoa, uma autoridade legítima.”

O dilema do Exército

Gaid Salah apoiou a candidatura de Bouteflika, a quem deve o cargo, até as manifestações se tornaram esmagadoras. O vazio fez reemergir o Exército como principal pilar do regime. Mas impôs-lhe, também, o ónus de encontrar uma saída para a crise.

Gaid Salah invocou os riscos de segurança, o que foi interpretado como uma tentativa de fazer esquecer aos argelinos a sua reivindicação principal, o “desmantelamento do regime”, observa o site Algeria Watch.

O general Ali Ghadiri, da nova geração militar – tem 65 anos  –  e que passou à reforma para se candidatar à presidência, exige o imediato afastamento de Bensalah. “Ele não é credível. É preciso designar um outro responsável para amolecer um pouco a contestação popular.” Mostra-se também preocupado com os riscos de segurança: “O sistema é uma coisa e o Estado é outra. Sim ao abandono do sistema, mas não à ruptura do Estado. Se o Estado se rompe, é o caos.”

Segundo a imprensa estarão em curso contactos com o ex-presidente (e general) Liamine Zéroual, que poderia ser uma solução para gerir a transição até às eleições. Ele terá respondido que só aceitaria perante “um apelo popular”.

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