TC arquiva incompatibilidade de secretário de Estado da Juventude e Desporto

Decisão não foi pacífica: dos 13 juízes presentes, quatro manifestaram-se contra a fundamentação em declarações de voto. Um deles é o presidente do Constitucional, Manuel da Costa Andrade.

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João Paulo Rebelo também não vai ser sancionado por incompatibilidade LUSA/MIGUEL A. LOPES

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu arquivar o processo por incompatibilidade em que era visado João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, por ter acumulado com este cargo, e durante 22 meses, a gerência de uma empresa familiar de produção de mirtilos.

A notícia da incompatibilidade foi divulgada pelo Correio da Manhã em Maio do ano passado, na altura em que estava também a ser investigado o ministro adjunto Pedro Siza Vieira por ter acumulado funções de ministro com a gerência de uma empresa imobiliária, aberta um dia antes de ter tomado posse. Ora, o exercício de funções governativas é considerado incompatível com a gestão de empresas pela lei das incompatibilidades de titulares de cargos políticos, e a sanção prevista é a demissão do cargo público.

João Paulo Rebelo renunciou à gerência da empresa de mirtilos em Fevereiro de 2018, dias depois de ser informado pelos serviços da Assembleia da República para a situação de incompatibilidade, que nunca escondeu nas declarações de interesses entregues no Parlamento nem na declaração relativa às incompatibilidades e impedimentos depositada no TC. Segundo alegou na sua defesa, julgava que a lei era igual para os deputados e os membros do Governo, quando na realidade não era.

A decisão de arquivamento, tomada a 27 de Fevereiro e publicada esta segunda-feira no site do TC, não foi, porém, nada pacífica. Dos 13 juízes conselheiros que integram o plenário do Tribunal, quatro votaram vencidos e exprimiram o seu desacordo em declarações de voto. Um deles é o presidente do Constitucional, Manuel da Costa Andrade.

Entendeu a maioria que o tribunal não podia decidir de forma diferente daquilo que tinha sido proposto pelo Ministério Público (MP), pois seria a este que cabia “promover o sancionamento da actuação” do visado (devido à “estrutura acusatória do processo”). E no caso concreto, o MP tinha-se pronunciado no sentido de não ser aplicada a sanção prevista — a demissão de funções —, porque “a situação de incompatibilidade encontra-se já sanada”.

É precisamente esta fundamentação que é contestada por Costa Andrade, mas também por Lino Ribeiro, Maria de Fátima Mata-Mouros e Maria Clara Sottomayor: os quatro juízes discordam do entendimento de que o “parecer” do MP limita os poderes de apreciação e sanção do TC em casos como este. “O presente processo não constitui um processo penal”, escreveu Clara Sottomayor na sua declaração de voto, defendendo que o TC se devia ter pronunciado quanto à matéria de facto, “por razões de interesse público e de prevenção geral”.

“Não posso acompanhar esta decisão”, escreve Fátima Mata-Mouros, acrescentando: “Ela assenta numa fundamentação formal e inovadora que surpreende, mas não convence. Além disso, deixa indefinido se houve, ou não, uma situação de incumprimento culposo da lei das incompatibilidades por parte de um titular de cargo político que permanece no cargo”.

Também Lino Ribeiro segue a mesma linha de argumentação, considerando que “o processo não poderia ser arquivado por carência de jurisdição, mas apenas por motivos relacionados com o desconhecimento ou imperfeito conhecimento do regime de exclusividade aplicável”.

Não é, porém, por defenderem a demissão do secretário de Estado da Juventude e do Desporto que os juízes votaram contra, mas pelo argumento da questão processual que levou ao arquivamento dos autos. “Nunca constituiu motivo determinante do não conhecimento o facto de o Ministério Público se ter limitado a promover a intervenção do tribunal (…), ter promovido o arquivamento dos autos por inutilidade superveniente (…) ou mesmo ter promovido a não aplicação de sanção”, como aconteceu na decisão sobre a incompatibilidade de Siza Vieira”, escreveu o presidente do TC na sua declaração de voto.

Manuel da Costa Andrade vai mais longe e defende que, no caso de João Paulo Rebelo, se estaria perante uma situação em que se devia aplicar a dispensa de pena, “já pertinente ao campo das consequências jurídicas da infracção e mediadora das exigências político-criminais da prevenção”. “E a verdade é que, no ordenamento português, a aplicação da dispensa de pena está reservada ao tribunal”, conclui.

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