A ronca sem emprego

A palavra ronca é boa demais para desaparecer só porque desapareceram as roncas. Que tal ficar para os irritantes alarmes dos carros? Assim poder-se-ia dizer "Aquele maldito Peugeot está com a ronca".

Foi numa luminosa crónica de Maria João Lopes que aprendi a palavra ronca. Ela cita Siza Vieira. Encontrei essa citação numa reportagem de Maria José Santana: “Gosto muito de faróis. Tenho uma ligação muito grande ao Farol da Boa Nova, em Leça, e ainda me lembro do barulho da sirene e do traço da luz.(...) Quando deixei de viver na beira-mar não conseguia dormir com a falta do barulho da ronca”.

A ronca fazia um cagaçal que se ouvia a quilómetros. A ronca do Cabo da Roca era conhecida como a vaca da Azóia porque parecia um mugido profundo e mecânico duma vaca mais alta do que o farol. A Azóia, lembro, é a aldeia que fica mais perto do Cabo da Roca.

Um pequeno passeio pela net rende exemplos muito diferentes de sirenes de farol. Só uma na Coreia do Sul é que se parece com a vaca da Azóia. Não faço ideia se é parecida com a ronca de Siza Vieira e Maria João Lopes.

A palavra ronca é boa demais para desaparecer só porque desapareceram as roncas. Que tal ficar para os irritantes alarmes dos carros? Assim poder-se-ia dizer “Aquele maldito Peugeot está com a ronca”.

Também poderia designar uma ressaca particularmente enevoada: “Não comas batatas fritas de pacote porque eu estou com a ronca”. Isto porque o ruído das batatas é ensurdecedor (como as roncas dos faróis) quando se está com a ronca.

Lembro-me de um saudoso apreciador de Ramisco de quem se dizia, quando acordava depois de uma noite mais avinhada, que estava com a filoxera. Se a indisposição fosse menor dizia-se que estava (só) com o míldio.

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