Secretária de Estado entra em choque com Helena Roseta sobre Lei de Bases do PS

Helena Roseta, deputada independente, não gostou das críticas da governante aos projectos de lei de bases da habitação, que o PSD aproveitou para descrever como uma “sova e das grandes”.

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daniel rocha

O que era verdade em Abril de 2018, quando foi apresentada a primeira proposta de lei de bases da habitação, pelas mãos da deputada independente Helena Roseta, com o apoio da bancada parlamentar do PS, já não é verdade agora, em Março de 2019, e já com várias iniciativas legislativas aprovadas e em vigor.

“Se a lei de bases, tal como está escrita, fosse aprovada, seria um retrocesso para a Nova Geração de Políticas de Habitação. Programas como o Primeiro Direito teriam de voltar à estaca zero. E isso não é desejável para ninguém”, disse hoje na Assembleia da República a secretária de Estado da Habitação (SEH), Ana Pinho. A governante pediu mesmo aos deputados para trabalharem numa lei de bases que esteja mais preocupada em definir estratégias do que em legislar sobre detalhe, e que seja mais universalista do que preocupada com situações concretas da população carenciada. 

O deputado do PSD António Costa e Silva leu nesta intervenção “uma sova e das grandes” ao projecto de lei de bases do PS, mas a resposta mais indignada veio mesmo de Helena Roseta, deputada independente, que lembrou a governante de que há hierarquia legislativa e que o papel da Assembleia da República não é menorizado. “Nós não estamos aqui para harmonizar a lei de bases à política do Governo. Nós estamos aqui para definir uma lei de bases que assente em estratégias e que dê resposta aos problemas, a melhor que conseguirmos. E se as leis deste Governo e até de governos anteriores tiverem de ser alteradas, assim serão. É assim que funciona”, ripostou a arquitecta, lamentando que a secretária de Estado tenha escolhido “ir por este caminho” de pedir a harmonização do texto legal às políticas do Governo.

“O Governo sabe, e o PS sabe, porque foi esse o meu compromisso, que o texto da lei de bases iria ser expurgado dos aspectos que já não fazem sentido. Iremos ter muito cuidado em não prejudicar as políticas que já estão no terreno, mas há competência legislativa no Parlamento para iniciar matérias”, argumentou Roseta.

O ambiente com que arrancou a ultima audição na Assembleia da República para debater os três projectos de lei de bases da habitação que estão neste momento em cima da mesa — apresentados pelo PS, pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda — começou, assim, de forma algo crispada.

Ana Pinho tratou logo de pedir desculpas pela forma como foi interpretada — até pelo “currículo incomparável” de Helena Roseta —, porque achava que não iria provocar “o desconforto que provocou”. Depois, frisou que a intervenção que fez era para sublinhar as preocupações sobre o diploma que vai ser redigido e não sobre as muitas propostas que estão em cima da mesa. E admitiu que ela própria, em Abril, poderia ter apresentado “uma proposta”, não “idêntica mas muito semelhante”. “Com tanta coisa que havia para fazer, eu também teria a ânsia de legislar no detalhe”, confessou.

Embates difíceis de ultrapassar

Passado o primeiro choque, e depois do esclarecimento efectuado, sobrou tempo ainda para perceber que há outros embates mais difíceis de ultrapassar, maioritariamente assentes em ideologias partidárias.

O Bloco de Esquerda, pela voz da deputada Maria Manuel Rola, quis saber a opinião do Governo acerca da proposta de criar um Serviço Nacional de Habitação, e a secretária de Estado da Habitação respondeu “ter dificuldades em perceber o alcance da proposta”, para depois dizer que dificilmente acompanharia propostas de nacionalizar serviços quando em curso está um programa de descentralização. Ana Pinho defendeu o papel das autarquias na execução das políticas de habitação. “Eu não acho que o PER tinha corrido melhor se fosse o Estado a executá-lo e não as câmaras. Acho, pelo contrário, que teria havido uma maior impessoalização. São as câmaras municipais e as juntas de freguesia quem melhor conhecem os problemas das populações e as necessidades de administração do território”, ripostou.

Ana Pinho deixou, aliás, vários alertas aos deputados, para não estarem a redigir uma Lei de Bases que possa pôr em causa disposições que já estejam em vigor noutros diplomas legislativos, como a Lei de Bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, ou diplomas que a própria assembleia já tinha redigido e trabalhado, como os de protecção ao despejo, na área da habitação, ou, em outras áreas, como o do turismo, quando regulamentaram o Alojamento Local. Em resposta ao PSD, que quis frisar a dissonância que alegam existir entre o Governo e o próprio PS, ao apresentarem um projecto como o Direito Real de Habitação Duradoura, à margem de tudo e de todos, Ana Pinho frisou que se trata de uma matéria que “é claramente competência do Governo”. No entanto, uma vez pretende melhorar o documento “ouvindo toda a gente”, o Governo decidiu colocá-lo em consulta pública.

A secretária de Estado da Habitação pediu ainda aos deputados que ajudassem a resolver algumas indefinições, como, por exemplo, o que é uma “habitação alternativa condigna”. “Uma família com carências habitacionais ser alojada na casa de um familiar que tem assoalhadas disponíveis é uma alternativa, ou não? Esse tipo de conceitos é que seria útil ficarem definidos numa Lei de Bases”, exortou.

Um outro conceito em que os partidos de esquerda parecem estar de acordo é na necessidade de construir uma Lei de Bases da Habitação que não tenha em mente apenas os problemas habitacionais dos mais carenciados, mas sim todas as franjas da população, para que o papel do Estado, seja da administração central e local, vá mais além da gestão de bairros socais. O levantamento que detectou carências habitacionais em mais de 27 mil famílias já está ultrapassado, admitiu a governante, dado que são muitas mais as famílias que estão em lista de espera com dificuldades em suportar os preços actualmente pedidos pelo mercado.

Estão em discussão três propostas de Lei de Bases e nas próximas duas semanas os partidos deverão fazer as suas propostas de alteração, antes de ser votado, em Comissão, um texto final para subir depois a plenário. O objectivo inicial era aprovar esse texto a tempo do 25 de Abril. 

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