A Apple quer ser TV: o que já se sabe e o que é que os espectadores ficaram sem saber?

A Apple TV+ foi apresentada segunda-feira e virá para Portugal. Com muitas séries, mas que já eram conhecidas. Já os preços ainda são segredo mas a marca do iPhone quer ter a concorrência em aplicações. E Spielberg era um agente infiltrado anti-Netflix?

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Reese Witherspoon e Jennifer Aniston em destaque na apresentação STEPHEN LAM/Reuters
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Jason Momoa STEPHEN LAM/Reuters
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Tim Cook em palco STEPHEN LAM/Reuters
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Tim Cook, Oprah Winfrey e Steven Spielberg STEPHEN LAM/Reuters
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J.J. Abrams STEPHEN LAM/Reuters
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Steve Carell, Reese Witherspoon e Jennifer Aniston STEPHEN LAM/Reuters

No Outono vai haver um novo serviço de streaming de televisão, com a marca Apple e com grandes nomes reluzentes à espreita. Tal como esperado, a Apple fez segunda-feira um anúncio “diferente”, como o seu presidente Tim Cook apresentou, focado não (só) em aparelhos e sim em conteúdo. A palavra feia e mágica do milénio, “conteúdo”, com Steven Spielberg, Oprah Winfrey, Reese Witherspoon e Jennifer Aniston a servir de isco. Mas mais do que o que foi anunciado sobre a Apple TV+ foi o que não foi revelado que fez a história.

— Os grandes nomes reluzentes estão à espreita e foram desfilando pelo palco na sede da Apple, a umas centenas de quilómetros de Hollywood. Mas estão apenas no átrio e não no palco principal do mercado porque a Apple não revelou a data de estreia dos seus projectos. Já sabíamos que ia haver uma nova série sobre televisão matinal com Aniston, Witherspoon e Steve Carell, que Oprah ia fazer programas — serão duas séries de documentários e um novo clube de leitura — mas as suas datas de estreia ficaram por divulgar. Ficou-se a saber, porém, que o lançamento do serviço será de facto quase global e abrangerá o mercado português.

— O que já se sabia também era o resto do rol de programas já em produção ou encomendados para a Apple, do futuro de See, com Jason “Aquaman” Momoa e Alfre Woodard a Little America e as histórias de imigração com o riso de Kumail Nanjiani, passando por Little Voice, de J.J. Abrams e com a cantora Sara Bareilles, ou as séries de Damien Chazelle (realizador de La La Land) e M. Night Shyamalan (Glass). Abrams reúne-se novamente com Jennifer Garner na história sobre um transplante de coração My Glory Was I Had Such Friends, Octavia Spencer pergunta Are You Sleeping e Brie Larson vai entrar numa série sobre a CIA. A lista é longa e até pode ser vista em grande parte aqui, por exemplo. Muitas das séries que dela constam já lá estão desde Junho de 2018.

— A Apple já tem alguma produção original, desde filmes até séries como Carpool Karaoke. Mas agora a sua ofensiva no mundo da produção inclui cinco programas já filmados e mais meia dúzia em vias de chegar à fase de pós-produção, segundo o ponto de situação do jornal norte-americano The New York Times. No total, encomendou cerca de 25 séries, do documentário à animação, e nove delas tiveram luz verde sem sequer passar pela fase da análise do episódio-piloto. O valor do investimento? Mais de mil milhões de euros. A concorrência? Netflix, o líder com 139 milhões de utilizadores conquistados com sete anos de produção original e entre oito e dez mil milhões de euros previstos de gastos em “conteúdos” só em 2019. Para a tentar combater, a Apple foi buscar dois líderes televisivos, Zack Van Amburg e Jamie Erlicht, que vieram da fábrica de dois dos maiores sucessos críticos dos últimos anos no cabo e no streaming — a Sony Pictures Television de Breaking Bad e The Crown, como lembrava o New York Times.

— Talvez a mais importante informação para o espectador, a par do teor do catálogo e sua (inexistente) data de estreia, é o que ficou de fora: o preço de subscrição do serviço. Havendo produção original, ela será o principal chamariz, visto que outros serviços em Portugal, dos incumbentes aos novos players, já têm muito dos “outros” canais que a Apple TV + também vai ter: HBO, Showtime, Hulu, Amazon... Numa altura em que só em Portugal, um dos países da Europa com maior taxa de penetração da televisão por subscrição (mas “no cabo”, ou seja através dos operadores “com fio” como Nos, Meo, Vodafone ou Nowo), estão a operar o Netflix, a Amazon, agora a HBO Portugal e muitos canais ou operadores têm os seus próprios serviços de video-on-demand (do Fox + ao Nos Play, passando pelo Disney on Demand, entre outros), os custos são decisivos. O anúncio de segunda-feira confirmou que a Apple TV+ vai estar em Portugal no final do ano, quando chegará também o catálogo avassalador do Disney + (que ainda não revelou os países em que vai operar mas que prometeu ser mais barato que o Netflix). Que subscrições ter e que contas é preciso fazer?

— Para já, e no fundo, ficou por saber se a marca Apple tem o que é preciso para dar uma real dentada neste mercado. Mas ao mesmo tempo que se volta para a produção e já tem as máquinas onde fazer a reprodução (“Os produtos da Apple estão em mais de mil milhões de bolsos. Mil milhões de bolsos!”, como repetiu Oprah Winfrey na segunda-feira sobre a verdadeira essência da marca), a Apple quer dar uma semi-resposta à pergunta acima. A sua aplicação vai ser renovada em Maio e vai estar noutros aparelhos que não da Apple e permitirá organizar esta era da televisão sem fim. Deste modo, vai “empacotar muitas das suas opções de cabo ou streaming de uma forma que parece cada vez mais inevitável desde que as pessoas começaram a cortar cabo [cutting the cord, no original, ou como os consumidores começam a abdicar das suas opções do cabo e a ficar só com plataformas de streaming] e a acumular uma cacofonia heterogénea de serviços individuais que seguramente muito brevemente será mais cara do que o cabo alguma vez foi se é que já não é”, analisa Daniel Fienberg, crítico da revista Hollywood Reporter e presidente da Associação de Críticos de Televisão dos EUA. Na Europa, o cord-cutting é ainda residual contrariamente à tendência crescente para essa opção nos EUA (segundo o portal de estatítica Statista, entre 2015 e 2018 25% dos espectadores abdicou da TV tradicional e 8% nunca a teve), mas o aumento da oferta à medida que velhos e novos serviços migram para o streaming e a inexorável sucessão geracional na plateia de espectadores torna esse movimento em que o zapping é substituído pelo scroll mais ou menos inevitável.

— O anúncio, e a ausência de detalhes importantes sobre o novo serviço, acabou por gerar algum cepticismo. E um pequeno caso. “Já sabíamos que Steven Spielberg estava a trabalhar para a Apple durante a zaragata com o Netflix? Parece relevante!”, escreveu a jornalista do site de notícias Buzzfeed Kate Aurthur, chamando a atenção para a tomada de posição do realizador de E.T. sobre como os filmes produzidos pelo actual rival não deviam ser considerados para os Óscares. A associação entre Spielberg, provavelmente o mais popular realizador vivo, e a Apple para ressuscitar a sua série de televisão de fantasia e terror Amazing Stories (1985-87), era algo que já se sabia desde o ano passado, mas nas semanas pós-Óscares em que defendeu a experiência do cinema em sala este detalhe quase não entrou nas histórias e na narrativa Netflix versus Hollywood.

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