Houve menos transplantes em 2018, mas número de doentes em espera também diminuiu

Com 57,3 anos, a idade média do dador é a mais elevada de sempre. Há alterações à lei que podem ser feitas para ajudar no processo, defende coordenadora nacional de transplantação.

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FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

O número de doentes à espera de um transplante em Portugal diminuiu no ano passado 3%. Um total de 2186 pessoas aguardavam por resposta. No entanto, o número total de órgãos transplantados também desceu: foram 829 em 2018, quando tinham sido 895 em 2017.

Esta redução foi um reflexo quer da diminuição de órgãos transplantados de dadores falecidos (757) como de dadores vivos (72). Em 2017 estes números tinham sido 806 e 77, respectivamente.

A coordenadora nacional de transplantação, Ana França, lembra que a doação de órgãos é imprevisível e variável. “Esta análise nunca pode ser feita num mês ou num ano”, mas sim num lapso de “cinco a 10 anos”, defende. 

A contribuir para a descida do número de órgãos transplantados, estão vários factores, como a idade média dos dadores ou a evolução das técnicas de tratamento. Nesta segunda-feira, na apresentação do relatório de actividade da doação e transplantação de órgãos, tecidos e células em 2018, a responsável do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) referiu que a idade média do dador de órgãos falecido em Portugal subiu para 57,3 anos, atingindo um pico, quando tinha sido de 53,8 em 2017 e de 55,1 em 2016. Este dado acompanha uma tendência de envelhecimento da população portuguesa. 

Aos jornalistas, no final da sessão que decorreu no IPST de Coimbra, Ana França explicou que, com o aumento da média de idades dos dadores, “a possibilidade de transplantar doentes é muito menor”. Assinalou igualmente a descida dos acidentes de viação como factor. 

Na apresentação dos dados, a ministra da Saúde, Marta Temido, afirmou que a informação sobre transplantes não deixa de reflectir “a tendência generalizada do envelhecimento da população”. Por outro lado, “há uma evolução na terapêutica em algumas áreas, como a hepatite C ou a paramiloidose, que tem conduzido a uma menor necessidade de transplantação”. 

No entanto, Ana França entende que há alterações legislativas que podem fazer com que haja um sistema de transplantações mais eficaz e um alargamento da base de dadores. Dá o exemplo das situações de paragem circulatória, que tem cinco categorias, sendo que a lei restringe a colheita de órgãos à segunda categoria. “Temos de ter abertura legislativa no sentido de os clínicos e os profissionais de saúde poderem ter oportunidade de aplicar todas as categorias”, defende, acrescentando que Ordem dos Médicos “já se mostrou aberta”. 

Também a presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação alertou para a necessidade de encontrar caminhos alternativos. Em declarações à Lusa, para comentar os dados apresentados, Susana Sampaio mostrou-se preocupada com a diminuição do número de transplantes, apesar de considerar que era expectável face ao envelhecimento da população.

"Isto causa preocupação, porque pode acentuar-se o número de doentes em lista de espera [por um órgão]”, afirmou a médica, referindo que a média de idades dos dadores falecidos “significa que teremos dadores com mais de 70 ou mais de 80 anos”. Quanto a caminhos alternativos, sugeriu a campanhas de sensibilização da população para “promover a doação em vida”, no caso dos transplantes de rim, e aumentar as equipas nos hospitais para que tenham tempo e estejam mais atentas a potenciais dadores, nomeadamente nos cuidados intensivos.

76 doentes morreram

Em 2018, 76 doentes morreram quando aguardavam dador compatível, o que significa 2,9% do total dos pacientes em espera. “Comparando com os números internacionais, é um número baixo”, contextualiza Ana França. De acordo com os dados, dos doentes que faleceram em lista de espera, 16 aguardavam por um coração, um por pulmão, 18 por um fígado e 41 por um rim.

No caso dos doentes renais, 53% são transplantados em menos de dois anos. Há, no entanto, uma taxa de 7,5% que têm de esperar mais de cinco anos. Nesta percentagem enquadram-se, geralmente, situações de segundos e terceiros transplantes, que “acabam por ter muita rejeição” ao novo rim, refere França. “Esses doentes terão que ser alvo de medidas que estamos a trabalhar com a Sociedade Portuguesa de Transplantação.”

De acordo com Marta Temido, a performance dos hospitais deve ser motivo de análise. “Os hospitais mais de fim de linha, como os universitários, têm resultados muito assimétricos”, descreve. De facto, centros hospitalares universitários como o de Coimbra e o de São João, no Porto, tiveram 57 e 36 dadores, respectivamente, estando no topo da lista. O Centro Hospitalar Universitário do Porto teve 8 dadores em 2018. “Essa é uma das áreas que deve motivar, em termos de organização, a nossa atenção e nosso empenho”, afirma Marta Temido.

Estes hospitais têm equipas dedicadas à identificação de potenciais dadores entre os doentes internados nos cuidados intensivos. São elas que, alertadas pelos médicos que seguem os doentes de que o desfecho será a morte, cumprem uma lista de procedimentos para avaliar se aquela pessoa pode ser dadora e que órgãos poderão vir a ser doados. Com Ana Maia

Notícia actualizada às 19h55. Numa primeira versão apresentavam-se apenas os dados relativos aos órgãos transplantados provenientes de dadores mortos.

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