Grávidas, portadores de VIH e pessoas com sinais distintivos impedidos de ser guardas-florestais

Dirigente sindical diz que algumas das razões de exclusão "roçam a inconstitucionalidade" e diz que são feitas demasiadas exigências para uma carreira que não é valorizada.

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Os guardas-florestais vão ajudar a proteger a floresta, incluindo dos incêndios Nelson Garrido

Se se candidatou a uma das 200 vagas para guardas-florestais da Guarda Nacional Republicana (GNR) e, entretanto, descobriu que está grávida, vai ser considerada “não apta” e deverá ser excluída no processo de selecção. É pelo menos isto que está definido no concurso lançado em Fevereiro deste ano e ao qual concorreram 2591 pessoas. A lista de inaptidões, idêntica à da GNR, deixa ainda de fora portadores de VIH, pessoas com psoríase, com “acne refractário ao tratamento e causando má aparência” e também quem tenha perdido pelo menos cinco dentes e não os tenha substituído por próteses. As regras já foram alvo de críticas pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS).

Orlando Gonçalves, responsável pelas questões envolvendo o Ministério da Administração Interna (MAI) na FNSTFPS, argumenta que a exclusão de grávidas ou de portadores de VIH “roça, no mínimo, a inconstitucionalidade” e diz que alertou o secretário de Estado da Protecção Civil, José Artur Neves, logo em Fevereiro para este caso. “O concurso foi lançado no dia 26 e, por coincidência, tínhamos uma reunião agendada para 27, para tratar de outros assuntos. Aproveitamos para colocar a questão e demos-lhe a ler o aviso do concurso, não só por causa destes casos mas pelo grau de exigência feita a estes trabalhadores, que não tem relação com as condições que a carreira oferece. Ele disse que desconhecia a situação e assumiu o compromisso de tentar perceber o porquê [daquelas razões de exclusão] e se seria possível alterar o aviso”, explica.

O PÚBLICO questionou o MAI e a GNR sobre este processo, mas até ao momento, não obteve resposta.

A história foi divulgada esta segunda-feira pelo Jornal de Notícias. Orlando Gonçalves revela estranheza pela exclusão de grávidas e portadores de VIH, afirmando não entender o porquê desta distinção. “Não entendo as razões. Todos sabemos que o VIH não é transmissível pelo contacto físico e nem sei como a GNR vai conseguir detectar este tipo de coisas. Vão fazer exames médicos a 2591 candidatos? Parece-me inviável, além de inconstitucional, porque as pessoas têm direito à reserva nas questões de saúde”, diz.

O dirigente sindical considera ainda “ridículas” muitas das condições incluídas na lista de inaptidões, ironizando: “Todas estas exigências, mais as provas que os candidatos vão ter de realizar, vão levar à exclusão de muitos deles. Eu não sei, aquele aviso dava a sensação que a GNR queria uma raça pura ariana como o Hitler, nos anos 1940. Que diferença faz que os candidatos tenham tatuagens ou sinais de pele que permitam o seu reconhecimento? Eles não vão para a guerra”, diz. Orlando Gonçalves refere-se ao critério que considera inapto para a profissão quem possuir “deformidades, cicatrizes, alterações da pigmentação, tatuagens, alopecias ou outros processos que, pelas suas características e localização, facilitem a identificação.”

Dentes, suor e problemas de pele

Na lista de inaptidões constam também portadores de psoríase, de “acne refractário ao tratamento e causando má aparência”, quem sofra de “afecções das glândulas sudoríparas” ou tenha “perda de mais de 5 dentes, não substituídos por prótese, ou […] menos de 20 dentes naturais (à excepção dos sisos) ou perda de dente cuja localização cause má aparência”. “Todas estas coisas nos parecem um pouco ridículas. São pessoas que vão trabalhar no meio do monte, é certo que lidam com pessoas e posso entender algum cuidado com a aparência, mas enfim. Parece que queremos uns rangers da floresta, quando são o grupo do órgão da polícia criminal com salários mais baixos e sem qualquer suplemento integrado”, diz Orlando Gonçalves.

Apesar do alerta para este processo, o dirigente da FNSTFPS diz que este organismo não pretende avançar com qualquer procedimento de impugnação do concurso, por que a contratação dos novos guardas florestais já está muito atrasada. A excepção é se algum dos candidatos, individualmente, se sentir discriminado e optar por avançar com a impugnação. Nesse caso, se for pedida a intervenção dos sindicatos, estes podem actuar.

Caso contrário, promete levar o tema a uma nova reunião que já foi solicitada ao secretário de Estado da Protecção Civil, para discutir apenas as questões relacionadas com os guardas-florestais.

O concurso está neste momento em fase de selecção dos candidatos. Orlando Gonçalves defende que a entrada destes novos guardas-florestais ao serviço “é importantíssima para a nossa natureza”, mas lamenta o atraso no processo que fará com que, na melhor das hipóteses, só no final do ano é que estes elementos entrem ao serviço, já que depois da selecção há seis meses de formação. O número também não é o necessário, alerta.

O corpo de guardas-florestais chegou a ter “1200 elementos”, refere o dirigente sindical, mas desde que, em 2006, António Costa, então ministro da Administração Interna, travou a carreira e novas contratações, ficou reduzido tendo actualmente 290 elementos. “Vamos ficar com 490 guardas-florestais, mas devíamos atingir, pelo menos, os mil”, diz.

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