A falácia, a amálgama e os impostos europeus

Na ânsia de aumentar os recursos para a UE, o resultado seria o sufoco dos contribuintes em Portugal.

Os impostos europeus estão mesmo em discussão nestas eleições europeias. Não é uma falácia, conforme se escrevia no editorial deste jornal na segunda-feira, nem é uma amálgama, como lhe chamou o candidato do PSD. Conforme consta na plataforma da UE “Your vote matters” (www.yourvotematters.eu), em 25 questões sobre os principais temas em discussão na Europa, quatro são sobre impostos. A saber, são questões relacionadas com o imposto sobre os robôs, o imposto sobre o plástico, uma taxa mínima obrigatória de IRC para todos os Estados-membros, e uma taxa sobre transacções financeiras. Seriam cinco se, entretanto, o imposto “Google” não tivesse caído. Àquelas quatro iniciais, acrescem ainda outras duas perguntas, indirectamente relacionadas com a tributação europeia. Uma diz respeito à centralização da gestão orçamental (o “ministro das Finanças europeu”). A outra questiona, em jeito de resposta afirmativa, se não deveria existir um reforço do orçamento europeu.

Eliminada a falácia, vamos à amálgama do candidato do PSD. Escrevia há dias Paulo Rangel que “O PSD é contra a criação de impostos europeus (...). Isto em nada impede que o PSD seja a favor de um aumento das receitas próprias da UE, desde que isso não implique um aumento da carga fiscal sobre os cidadãos. Por exemplo, os ganhos do BCE ou o produto das multas aplicadas pela Comissão devem ser receitas próprias. As transferências nacionais são receitas europeias (produto da arrecadação de impostos nacionais). O PSD é favorável à criação das sobreditas taxas sobre transacções financeiras e plataformas digitais, precisamente porque elas não são impostos europeus”. Confuso? Embrulhado? Pois, a definição de amálgama consiste nisso mesmo. O candidato do PSD defende tudo e o seu contrário, que é o mesmo que dizer que não defende coisa alguma.

A minha posição, enquanto cabeça de lista do partido Iniciativa Liberal, é muito clara e resulta do seguinte princípio: o poder de taxar (“the power to tax”) está no Estado. Como a União Europeia não é um Estado supranacional, mas sim uma união de países independentes, o poder de taxar está nos países membros. E, assim, a manutenção da regra da unanimidade é a forma correcta de acomodar o poder de coerção que os cidadãos de cada Estado-membro, seus legítimos detentores, atribuem aos seus respectivos Estados no âmbito da tributação. Trata-se do princípio de “no taxation without representation”, do qual não devemos abdicar sob o risco de um dia estarmos a pagar impostos europeus sobre os quais não deliberámos. 

A carga fiscal em Portugal, estando ao nível máximo desde que há registos do INE, encontra-se ainda abaixo da média europeia. Ao mesmo tempo, a pressão fiscal, um conceito que relaciona a carga fiscal com a riqueza média por habitante, está muito acima da média. Assim, a ideia de que, ao prescindirmos da unanimidade e, mais ainda, votando pela centralização da gestão orçamental em Bruxelas, sairíamos beneficiados do novo arranjo institucional, revela uma grande ingenuidade quanto à implementação do mesmo. Porque nesse novo arranjo institucional, a pressão para igualizar a carga fiscal, independentemente da pressão fiscal, seria imensa. E isto seria catastrófico para Portugal. Na ânsia de aumentar os recursos para a UE, que é o discurso do PSD e do PS, o resultado seria o sufoco dos contribuintes em Portugal. Nada a que não estivéssemos já habituados com aqueles dois partidos.

Os impostos devem obedecer ao princípio da territorialidade e servem para financiar despesa pública sobre a qual existe a devida deliberação. Ora, a manutenção da regra da unanimidade não tem de ser obstáculo ao entendimento dos países da UE quanto aos desafios da economia digital. De resto, para além das discussões em curso ao nível da OCDE, também a UE já deu passos no sentido de reforçar a eficácia da tributação digital ao sujeitar os bens e serviços digitais ao pagamento de IVA à taxa em vigor no país de quem os consome, por oposição ao país de residência fiscal de quem os fornece. De igual modo, existem outras medidas de combate à evasão fiscal, como o acesso às transacções realizadas através de meios electrónicos que, salvaguardando a privacidade dos consumidores, permitem à autoridade tributária rastrear o volume de negócios das empresas para o cálculo final de IRC.

Os impostos resultam das bases de tributação e das taxas de imposto. Os entendimentos quanto às bases fiscais são bem-vindos porque nivelam a aplicação das leis tributárias e suas interpretações, contribuindo para uma concorrência mais justa. Mas a elisão fiscal, que resulta desta falta de entendimento, e das zonas cinzentas das leis de diferentes países, é diferente da evasão fiscal. A elisão também se distingue da concorrência fiscal entre os países, que ocorre através de taxas de imposto diferentes, porque, no plano de uma concorrência leal, a concorrência fiscal constitui um mecanismo fundamental de convergência competitiva entre os Estados-membros de uma Europa tão assimétrica.

A evasão fiscal na UE combate-se através da coerção, democraticamente legitimada, das autoridades tributárias nacionais. A elisão fiscal, que é o que verdadeiramente incomoda, combate-se através do Parlamento Europeu que, condenando democraticamente as interpretações nacionais (“a la carte”) das bases tributárias, legitima a aplicação de multas sobre a concorrência desleal. A elisão fiscal é um problema de concorrência, que é um princípio fundador da UE, e que todos subscreveram na adesão à UE, por isso, é no domínio da concorrência que deve ser endereçada. Quanto aos impostos europeus, sem unanimidade e, pior ainda, decididos em Bruxelas, quebrarão o elo umbilical que tem de existir entre a autorização cidadã para a coerção tributária e a despesa pública à qual a mesma se consigna. Os impostos europeus legitimarão a ditadura da maioria que os vier a decidir e a opressão das minorias que, deles discordando e deles não beneficiando na medida do sacrifício coercivo, também os terão de pagar. Não é a Europa na qual eu me revejo.

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