Qual é a pressa com a Lei de Bases da Saúde?

Em vez de procurar impor a necessidade de consenso ao Parlamento, o Presidente deve insistir e alertar para esta potencial distorção das regras da alternância democrática.

O Governo tem toda a legitimidade para avançar com a aprovação de uma nova Lei de Bases da Saúde à revelia do PSD e do CDS. Em democracia, é bom que haja compromissos e consensos, mas os parlamentos existem para superar os casos em que as forças políticas representadas não conseguem sair das suas barricadas programáticas ou ideológicas. Fica bem ao Presidente da República o exercício da sua magistratura de influência para obter “consensos alargados” em políticas com a sensibilidade da Saúde, mas vai longe de mais quando admite vetar o diploma apenas porque exprime a vontade de uma maioria. O Presidente deve por isso centrar os seus esforços não nos consensos impossíveis, mas na oportunidade. Faz sentido discutir e aprovar uma lei com esta sensibilidade a poucos meses do final do mandato do Governo? Aí, o Presidente tem toda a razão: não faz.

Uma lei de bases é um programa destinado a vigorar e a ser executado ao longo de muitos anos. Por uma questão de respeito democrático, faz pouco sentido que a maioria de esquerda o queira aprovar agora para, numa hipótese teórica, poder ser executado por um bloco político que o hostiliza caso vença as próximas legislativas. Não se questiona a iniciativa do Governo ao criar uma comissão para propor uma nova lei, não se discute que a primeira versão dessa comissão tenha sido metida na gaveta por não ser suficientemente defensora da hegemonia pública sobre o Sistema Nacional de Saúde nem se contesta que todo o processo se discuta em sede da comissão parlamentar da área. Discute-se sim o princípio que leva o Governo a acreditar que as próximas eleições são favas contadas, que não há possibilidade de haver uma nova maioria com novas visões da Saúde no parlamento que aí vem.

Em vez de procurar impor a necessidade de consenso ao parlamento, o Presidente deve insistir e alertar para esta potencial distorção das regras da alternância democrática. O Governo governa até ao fim, mas nos últimos meses deve ser prudente na determinação de políticas de longo prazo. Se, como indicam as sondagens, o PS ganhar as eleições, terá toda a legitimidade de, com ou sem apoio do Bloco e do PCP, aprovar a lei que no seu juízo melhor serve os interesses do país. Para o fazer, basta-lhe apenas esperar sete meses. Se a lei for aprovada e este cenário eleitoral estiver errado, o parlamento lá voltará a gastar tempo a demolir a herança vista como veneno do seu antecessor.

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