Foi Amor de Perdição, segundo Camilo Castelo Branco

Mesclando realidade e ficção, como era seu apanágio, o autor oferece-nos Amor de Perdição, com o subtítulo Memórias de uma família. E faz sentido, se soubermos que são referidos vários familiares de Camilo: pai, avô e tio. O último protagoniza a história. E que história.

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Fernando Veludo/NFACTOS

Camilo Castelo Branco é um dos maiores vultos da literatura portuguesa. Nascido em Lisboa, a 16 de Março de 1825, perdeu os pais em criança e rumou a Trás-os-Montes, onde foi amparado por familiares. Casou aos 16 anos, fruto de um ímpeto juvenil, mas cedo abandonou a família. Estudou Medicina e Direito e, em desespero de amores, tentou a ordenação católica. Sem sucesso. Entregou-se a uma vida de boémia e escândalo, primeiro no Porto, depois em Lisboa. Paixões avassaladoras, duelos medonhos, dificuldades financeiras e até encarceramento. Por amor, raptou Ana Plácido, mulher casada, com quem viveu apaixonadamente, fugindo de terra em terra. O casal foi julgado e absolvido por adultério, em 1861. A realidade de Camilo ultrapassa qualquer ficção. Ao lado da mulher que amava, Camilo Castelo Branco encontrou a estabilidade emocional que tanto procurava, mas a doença progressiva que lhe afectava a visão levou-o a cometer suicídio, em 1890.

Ao longo de seis décadas de existência errática, Camilo escreveu centenas de volumes e, nas palavras de Luís Amaro de Oliveira, esbanjou “genial mas muito irregularmente, o seu talento em, pode dizer-se, todos os géneros literários. Foi, porém, como novelista que mais se notabilizou”.

Mesclando realidade e ficção, como era seu apanágio, o autor oferece-nos Amor de Perdição, com o subtítulo Memórias de uma família. E faz sentido, se soubermos que são referidos vários familiares de Camilo: pai, avô e tio. O último protagoniza a história. E que história.

Domingos Botelho, fidalgo de longa linha, chega a Viseu para assumir o nobre cargo de corregedor. Simão, seu filho, apaixona-se por Teresa, filha de Tadeu de Albuquerque, inimigo acérrimo da família Botelho. Simão tinha um comportamento problemático, e o seu currículo criminal incluía pistolas, lutas de ruas e cabeças partidas; mas nunca a dele. Após o enamoramento, o espírito de Simão mudou drasticamente, transformando-se o jovem Botelho na mais pacata das criaturas.

“Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos.”

Como tantas histórias de amor, também esta se viu destinada à dor da impossibilidade. Domingos Botelho desprezava a intenção do filho, enamorado que estava pela filha do inimigo Tadeu. Este, nem queria ouvir a filha falar em tão vil traição ao bom nome dos Albuquerque. Por amor, ambos se desgraçaram. Simão deu uso às pistolas que esquecera durante anos, e Teresa foi forçada a viver na clausura de um convento. Mas as duas pobres almas, pobres e enamoradas, entenda-se, não se permitiram esquecer o sentimento que as unia.

Terminei a leitura e espreitei a realização didáctica de Amaro de Oliveira. Entre a vasta informação recolhida na análise, apreciei especialmente uma pesquisa efectuada que permitiu compreender, afinal, o que foi real e o que surgiu do imaginário de Camilo Castelo Branco, neste amor de perdição que é, também, um caderno de memórias da família do autor.

“Estou mais livre que nunca. A liberdade do coração é tudo”, escreveu Camilo neste romance notável, que nos oferece uma visão singularmente arrebatadora do amor e da sua influência nas nossas vidas. Um clássico obrigatório em qualquer prateleira carregada de letras.

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