O instinto fatal de Theresa May

Theresa May, a primeira-ministra britânica, cultivou nas últimas semanas a ideia do mergulho para a balas.

É uma cena clássica dos filmes de acção. Cercado, herói ou bandido — muitas vezes depende da nossa avaliação —, sente que é tempo de pôr fim ao enredo que se foi desenrolando até àquela altura. Não importam as consequências, ele lança-se para as balas e, das duas, uma: ou morre logo ou há um milagre. Isso determinará se vem o “The End” e  começam a passar os créditos ou se ainda temos suspense para mais meia hora.

Theresa May, a primeira-ministra britânica, cultivou nas últimas semanas a ideia do mergulho para a balas. Como não há memória recente,​ afrontou o Parlamento, acusando-os de terem feito “todos os possíveis para evitar tomar uma decisão” enquanto ela estava ao lado do povo, vigiando para que a sua vontade fosse respeitada. O argumento demagógico teria como objectivo fazer chantagem com os deputados mais hesitantes (unionistas norte-irlandeses, trabalhistas com circunscrições em que se votou maioritariamente a saída), mas o resultado foi irritar o Parlamento e levar​ milhões de cidadãos, também eles claramente povo, a assinar uma petição anti-“Brexit”.

A primeira-ministra tentou ainda afrontar a União Europeia, pedindo um prolongamento do actual estado de coisas para lá das eleições europeias, o que sabia não seria concedido. Perante a corrida contra o cerco, os líderes europeus foram razoáveis e, em vez de lhe darem a estocada final, preferiram usar a arma de atordoar: se a Câmara dos Comuns aprovar, numa terceira votação, o acordo entre Bruxelas e Londres, a saída será a 22 de Maio; se não houver acordo, o Reino Unido terá de sair mais cedo, a 12 de Abril.

Depois destes meses de desgaste já não deveriam restar dúvidas de que é necessário voltar a dar lugar à decisão popular. O Governo deveria revogar o Artigo 50.º e com isso ganhar todo o tempo do mundo para construir o que até agora tem parecido impossível, um acordo que contente o Parlamento britânico e, simultaneamente, a União Europeia.

Esse acordo deveria ser submetido a um novo referendo, dando aos eleitores a possibilidade de fazer aquilo que, claramente, não fizeram aquando do referendo inicial: avaliar, com conta peso e medida, aquilo em que vão votar. Se for rejeitado, tanto melhor. Se não for rejeitado, é pena, mas será o momento de voltar a invocar o Artigo 50.º, desta forma com um plano devidamente preparado. Seria sempre melhor do que correr em direcção às balas.

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