Oslo adere à vida verde: dez parques e jardins que vale a pena conhecer

Capital verde da Europa este ano, superando, entre outras, Lisboa, a cidade norueguesa despreza os carros e seduz as pessoas, exibindo cada vez mais o seu lado risonho. Vários projectos estão em marcha numa urbe em que o cidadão apenas precisa de dar uns passos para se encontrar com um jardim ou um parque. Vamos à descoberta de alguns deles.

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“Era a época em que eu vagueava faminto por Kristiania, essa cidade curiosa de onde ninguém parte sem levar consigo uma marca indelével...”

Knut Hamsun, em Fome.

Kristiania, cuja grafia esteve em vigor entre 1878 e 1924, sucedendo a Christiania, adoptada de 1624 a 1877, era, nesses primórdios, a actual cidade de Oslo. Nos dias de hoje, a urbe norueguesa, por onde o escritor, Prémio Nobel da Literatura em 1920, errava, com alucinações provocadas pela fome, é a capital verde da Europa, um galardão conquistado numa final que, além de Gante, na Bélgica, Lahti, na Finlândia, e Talin, na Estónia, também incluía Lisboa, eleita já para o próximo ano.

Os esforços de Oslo para tornar a cidade mais sustentável, mais amiga do ambiente e mais humana não são de agora. Já em 2012, por exemplo, as entidades locais votaram a favor da substituição do aquecimento a óleo pelas energias renováveis nos prédios da cidade – e é também política do governo incentivar as novas construções a promover a eficiência energética.

“Contamos as emissões de carbono da mesma forma que contamos o dinheiro”, admitiu recentemente Raymond Johansen, presidente da câmara de Oslo eleito em 2015. E, na verdade, a cidade, com aproximadamente 700 mil habitantes, ocupa um dos mais destacados lugares no que concerne à emissão de CO2 (pretende chegar a 2030 com um corte total de 95%), com autocarros alimentados a biocombustíveis, a eliminação de parques de estacionamento (cerca de 300 apenas em 2017) e, entre outras medidas, o aumento das portagens para quem utiliza viatura própria.

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Mais de 80% da população estudantil caminha, move-se de bicicleta ou serve-se dos transportes públicos no trajecto entre casa e a escola e, falando ainda de números, 94% do lixo doméstico é reciclado. Nas ruas, o ar é puro, no topo de alguns dos edifícios não raras vezes são colocadas colmeias (o Scandic Vulcan Hotel, com meio milhão abelhas, produziu há bem pouco tempo perto de 300 quilos de mel) – aprecie a experiência de caminhar por Vulkan, um bairro totalmente industrializado no início do século XIX e hoje com uma forte consciência ecológica.

Tudo isto numa cidade onde os cidadãos estão sempre a meia dúzia de passos de um parque, de um jardim, de um espaço verde. São alguns desses que vamos tentar descobrir, com a certeza de que muitos mais serão ignorados.

Noruega: dentro da paisagem e sem querermos sair dela

Da realeza e do povo

Inaugurado na década de 40 do século XIX, o Slottsparken, como é conhecido entre os noruegueses, dá um forte amplexo ao Palácio Real (aberto ao público apenas no Verão e somente com visitas guiadas), situado numa colina no final da Karl Johans Gate, a artéria principal da capital, uma espécie de Champs-Élysées de Oslo, com as suas lojas comerciais e o majestoso Stortinget, o Parlamento. Com uma área total de 22 hectares (a extensão de Oslo durante a Idade Média, com os seus três mil habitantes), o parque foi projectado por Hans Ditlev Franciscus Listow, o arquitecto mais intimamente ligado à construção da residência do rei da Noruega, um edifício sumptuoso (173 quartos) envolto numa serenidade que apenas é perturbada pela presença dos turistas, todos os dias, trinta minutos depois da uma da tarde, quando acontece o render da guarda.

Popular nos meses de Verão e servindo de base à comunidade hippie na década de 60 do século passado (à qual faz referência Jostein Gaarder, autor do aclamado Mundo de Sofia, em An Unreliable Man), o Slottsparken tem os seus encantos em qualquer estação do ano, a despeito de se revelar mais sedutor na Primavera e no Outono, quando o caleidoscópio de cores se semelha a uma tela pintada por um artista inspirado pela força da natureza. No Verão, quando os raios de sol parecem transformar em chamas tantos cabelos louros, gosto de me sentar à sombra das suas árvores antigas e majestosas (das mais de duas mil plantadas no século XIX não restam mais de metade) com um livro na mão até me decidir a caminhar mais um pouco, ao encontro do mais intimista Queen's Park, aberto ao público apenas entre meados de Maio e início de Outubro.

Reservado para o rei Harald e a rainha Sonja, bem como para a família, o parque, em tempos situado numa área conhecida como Sommerro, pertenceu nesse passado remoto ao mayor de Christiania, Christian Henrik Støedt, que nele criou um jardim ao estilo rococó, com flores e árvores de fruto.

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Contemplo as árvores e as orquídeas. Sento-me para desfrutar dos aromas da natureza e o silêncio.

Só anos mais tarde, em 1778, é que o lote foi adquirido por Bernt Anker, uma figura muito conhecida entre os cidadãos de Christiania, até voltar, já em 1840, para as mãos da coroa norueguesa – ou melhor, para as mãos do jardineiro Martin Mortensen.

Quando chego à Henrik Ibsens Gate olho para trás, como se esse gesto, tão espontâneo, me permitisse uma visão da velha Christiania de há quase 200 anos.

Diversidade das plantas

Desço na estação de metro de Tøyen e, antes ainda de me dirigir ao Jardim Botânico, alcanço, em pouco mais de uma centena de passos, o Museu Munch, dedicado quase integralmente à vida e obra deste pintor noruguês precursor do movimento Expressionista que legou à cidade de Oslo a sua colecção de pinturas, tão marcada pela presença constante da doença e da morte na sua infância.

Mas quem admira o trabalho de Edvard Munch (1863-1944) sentir-se-á frustrado, nos tempos mais próximos, por não poder admirar a sua vasta colecção (quase 30 mil exemplares, incluindo esboços, fotografias e esculturas), à excepção de três quadros, habitualmente em exposição no museu situado num bairro que acolhe uma população das classes média/baixa. Quem o desejar fazer, estando em Oslo, terá de esperar até ao próximo ano, em Junho, mês em que se prevê a inauguração do novo Museu Munch (também conhecido por Lambda), uma obra megalómana (com assinatura do arquitecto espanhol Juan Herreros) e envolta em forte controvérsia que, com os seus 12 pisos e um orçamento inicial de 340 milhões de euros, irá redefinir (ainda mais) o espaço paisagístico de Bjørbika – uma frente marítima em tempos cruzada por auto-estradas e caminhos de ferro, mais os contentores que se acumulavam no porto, hoje com os seus símbolos da arquitectura moderna subindo nos céus e olhando-se no espelho das águas do fiorde.

Com pouco tempo para dar ao Museu Munch, (também o famoso O Grito, normalmente em exibição na Galeria Nacional, apenas poderá ser visto em 2020, no novo Museu Nacional) não preciso de caminhar muito para desaguar no Jardim Botânico ao final de uma manhã de Primavera. Criado em 1814 (o que faz dele o mais antigo do país), e propriedade do museu de História Natural da Universidade de Oslo, é um espaço que, com as suas múltiplas atracções, parece ter sido concebido para agradar a todas as idades. No total, são cerca de 35 mil plantas de 7500 diferentes espécies, como um apelo à importância da diversidade e a uma errância demorada por estes trilhos tão perfumados: há o jardim viking, as estátuas de salgueiro do artista britânico Tom Hare, o jardim sistemático, que explica a relação entre as plantas, o da bisavó, com espécies que já não são comercializadas e um recanto de nostalgia pensado para quem sofre de demência; há também o jardim de pedra, com plantas alpinas de todo o mundo e um cenário montanhoso em miniatura pelo meio do qual corre um riacho cujas águas se despenham de uma pequena cascata para um reservatório; há ainda o jardim das especiarias e o admirável jardim aromático, projectado para os cegos e para facilitar a vida dos utilizadores de cadeiras de rodas.

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O Jardim Botânico consegue aprisionar o corpo e o espírito durante horas e nenhuma visita fica completa sem uma incursão pelas chamadas casas verdes, a Palmhuset e a Victoriahuset, construídas, respectivamente, em 1868 e 1876, a primeira focada na evolução, no Mediterrâneo e no deserto e a segunda abrigando gigantescos nenúfares do Amazonas e outras plantas tropicais – uma e outra serão em breve substituídas no âmbito de um novo projecto em curso que prevê quatro novos espaços e uma viagem pelas cinco zonas climáticas da Terra.

A tarde avança mas ainda me dá tempo para espiar a Manor House e o Museu de História Natural, com o seu residente mais mediático, Ida, com 47 milhões de anos – por isso apresentado como o mais antigo esqueleto completo do mundo de um primata.

Ao longo do Akerselva

É o nome de um rio, cujo berço é o Maridalsvannet, o maior lago de Oslo e um ponto de partida a considerar numa caminhada de cerca de oito quilómetros ao longo das suas margens, duas horas ou mais até ao centro da capital noruguesa, dependendo da vontade de cada um, do desejo de visitar este ou aquele lugar durante o trajecto.

É nome de rio. Mas não só.

Akerselva foi o berço da industrialização da Noruega na segunda metade do século XIX, num tempo, cada vez mais remoto, em que dava força às serrações, às fábricas de têxteis e às oficinas de mecânica.

Uma longa chaminé, ameaçando tocar um céu por onde caminham nuvens sem expressão, recorta-se por entre casas de cor de mel, de um vermelho esbatido, no meio de uma moldura onde as árvores filtram a luz do sol, espalhando sombras ao longo do trilho. Aqui e acolá, a água tomba em cascata, rompe aquele silêncio tão intímo e desafia o viandante, num pulsar que se semelha a um pulmão verde, a caminhar sem aspirar a um final; pelo contrário, cada um deseja eternizar todo este cenário que se afigura a um quadro que prende os sentidos, com os seus parques, esse verde tão luxuriante que lembra a natureza e recorda esse passado, tão longínquo, de uma indústria que, orgulhosa desse tempo imemorial, com os seus edifícios imponentes para a época, soube transformar-se, impregnando, nos dias de hoje, uma atmosfera bucólica com pequenos cafés, com galerias, com escritórios, com escolas – numa palavra, dando-lhe uma outra expressão, um outro sentido, uma segunda vida. 

Gasto algum do meu tempo em Grünerløkka, com a sua população jovem, as suas lojas comerciais, não tarda passeio-me pelo vizinho Sofienberg Park, com a igreja homónima projectando-se no centro de um espaço onde em tempos existia um cemitério. Por vezes, caminho mais para Norte, para aquele que é também um dos maiores parques da capital, mais um pulmão verde – St. Hanshaugen, um permanente convite às caminhadas, a atingir o topo da colina, com uma panorâmica soberba sobre Oslo. Num tempo não muito distante, era apenas uma colina cheia de nada e despida de tudo, até que, ainda na primeira metade do século XIX, se tornou popular com os festejos que celebravam o início do Verão e, mais ainda, quando um café materializou a sua abertura, já em 1936, na Festplasen, uma praça situada bem no topo da colina, prevalecendo, até aos dias de hoje, como um dos espaços mais populares de Oslo quando o Verão se anuncia para ficar por algum tempo.

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Parque do Palácio Real Rod Costa

Um mundo de estátuas

Recordo-me de ter lido, não sei onde, em rigor, que a Noruega é, em média, o país com mais estátuas por habitante.

É com esta ideia martelando-me o cérebro que me embrenho, a meio de uma manhã de um sol estival, pelo Frogner Park, o mais extenso no centro da capital norueguesa. Quando pensava que o reino do sono me repudiara tão precocemente, convidando-me a caminhadas solitárias por este outro reino onde as rosas são rainhas, com perto de 15 mil plantas de mais de 150 espécies, parecia que o mundo se agregava ali, no meio da natureza que exalava tanta frescura matinal: homens e mulheres absorvidos nos seus pensamentos, de auscultadores nos ouvidos enquanto se entregavam aos exercícios físicos, outros passeando docilmente os seus cães dóceis, de olhares tão meigos, outros ainda atarefados nos preparativos de um piquenique ou de um churrasco, com o fumo erguendo-se numa cor azulada naquele céu tão azul.

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De repente, sentado, enquanto via o mundo passar, com mais ou menos pressa, à minha frente, os meus dedos foram correndo ao longo da frase que anunciava a minha proximidade face ao maior parque de esculturas do mundo feitas por um único artista: Gustav Vigeland.

Levantei-me, desejando perder-me por este espaço verde, com os seus lagos onde os patos gozam da sua liberdade, as suas árvores onde por vezes sabe bem, num dia como este, beneficiar dessas sombras que se vão estendendo à medida que o dia, como o tempo, avança na sua marcha inexorável. Quando, de repente, me achei no meio de uma avenida verde que, por instantes, me fez lembrar, de um ou outro ponto, o parque Eduardo VII, tudo o que lera, admitindo máximos de estátuas, deixava de fazer sentido como promoção turística para se tornar numa realidade.

Pelo menos aparente, tal a densidade por metro quadrado de trabalhos em granito e em bronze. Aquela obra, assinada por Gustav Vigeland, com mais de duas centenas de exemplares, parecia mostrar o parque em toda a sua dimensão humana, como se todas as emoções e todas as idades ali estivessem concentradas: aqui bebés, ali jovens adolescentes com promessas de um amor eterno, mais além um casal de idosos numa tranquilidade que se poderia confundir com nostalgia.

Deposito um olhar mais demorado naquela que é considerada a mais impressionante das suas tarefas escultóricas e também a maior escultura do mundo em granito – um monólito de corpos contorcidos subindo a uma altura de 14 metros, com um círculo de escadas bordejadas por voluptosas figuras em pedra de onde o cenário se afigura mais belo do que em qualquer outro lugar.

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Câmara Municipal de Oslo DR

Sento-me outra vez. Apenas para contemplar.

Para aprofundar melhor o trabalho desenvolvido por Gustav Vigeland e sem quaisquer planos para o que restava da tarde que não demoraria a extinguir-se, agora já banhada de tons crepusculares, apressei os meus passos até à Nobels Gate, ao encontro do número 32, onde está localizado o museu que perpetua a obra do escultor norueguês nascido há 150 anos (a 11 de Abril de 1869) na pequena vila de Mandal, no Sul do país.

Ando por ali, olhando os seus moldes em gesso, os seus croquis, a sua vida e a sua obra como era nesses dias tão longínquos.

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Os dias esgotam-se apenas em visitas a espaços verdes, num dia o parque medieval, com vestígios da cidade dessa época, num outro com caminhadas ao longo da Nordmarka, a floresta de Oslo, a menos de 30 minutos da capital e estendendo-se muito para lá desta, noutros, ainda, no mais recreativo parque de Verão, com actividades tão do agrado das crianças – mas não só – até que, aproximando a minha errância do final, deixo o tempo correr ainda mais devagar na península de Bygdøy, com o seu carácter rural, os seus museus, as suas praias.

E, mal a noite se anuncia, perco-me em pensamentos ao longo do fiorde de Oslo.

“Lá fora, no fiorde, endireitei-me mais uma vez, transpirado da febre e do esgotamento, olhei para terra e despedi-me da cidade por esta vez, despedi-me de Kristiania, onde as luzes brilhavam nas janelas de todas as casas.”

Ninguém abandona Oslo sem uma marca indelével.

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