A descriminalização de Ilícitos tipificados como crimes de usurpação

Só se poderá aceitar esta proposta de descriminalizar se a mesma servir para dotar o aparelho administrativo de maior eficácia e agilidade.

Uma análise à proposta de Lei 170/XIII, nos termos do art.º 195 do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos

Antes de nos pronunciarmos sobre a bondade desta proposta de alteração legislativa, parece-nos importante, por uma questão de literacia jurídica, definir corretamente o objeto, e não o objetivo, do que está efetivamente em causa com esta proposta.

Na realidade, esta proposta, e no que ao audiovisual diz respeito, só tem uma leitura possível, isto é, que a comunicação ao público, em qualquer lugar público na aceção do n.º 3 do Art.º 149 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, através de emissões e retransmissões televisivas previamente autorizadas e disponibilizadas ao público, de obras, de prestações e de videogramas editados ou estreados comercialmente, sem as autorizações do respetivo autor, do produtor de videogramas, ou dos seus representantes, deixará de ser punido como crime de usurpação, com uma pena até 3 anos de prisão, e passará a ser punível com uma coima entre X e Y. Ou seja, o que se pretende ou deve apenas descriminalizar são as situações fáticas de comunicação ao público de emissões de televisão em cafés, restaurantes, ou quaisquer outros lugares públicos.

Centrada que está a questão nuclear desta alteração legislativa, poderemos começar por dizer que esta solução poderá fazer sentido se for acompanhada de uma maior efetividade coerciva dos órgãos administrativos com competência para o efeito, entenda-se neste caso a Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC). Assim, só se poderá aceitar esta proposta de descriminalizar se a mesma servir para dotar o aparelho administrativo de maior eficácia e agilidade, fazendo, por isso, apenas sentido, arriscar-se uma solução desta natureza fazendo uma delimitação claríssima dos ilícitos que seriam descriminalizados. Por outro lado, para além de uma adequada moldura contraordenacional, seria essencial que a IGAC, à qual deverão ser atribuídas as competências de instrução e decisão dos procedimentos contraordenacionais, além das competências de fiscalização que já possui, tivesse a possibilidade de alargar o seu quadro de pessoal e orçamental, pois só assim poderá obter a eficácia preconizada com esta dita alteração.

De facto, atentas as atuais competências da IGAC, não podemos ignorar que esta entidade tem, atualmente, uma carência significativa de meios humanos e materiais para a sua atual missão, que é extremamente vasta nas áreas inspetivas em ambiente físico e digital, não esquecendo que até os espetáculos tauromáquicos são da sua competência. Logo, se já tem uma manifesta insuficiência de meios, senão lhe forem atribuídos meios específicos para esta nova missão que, aproximadamente, poderá dizer respeito à fiscalização de mais de duzentos mil operadores económicos distribuídos por todo o território nacional, então estaremos perante uma alteração legislativa que trará a este ecossistema problemas gravíssimos de proteção, prevenção e coercibilidade das violações jusautorais, que importa desde já afastar. Também convém salientar que no Orçamento do Estado para 2019 nada foi previsto ou alocado para o reforço dos meios da IGAC, pelo que, só por si, nos parece um indicador suficientemente forte para concluir que esta alteração carece de qualquer sentido.

Concluindo, e apesar de não se vislumbrar nada de positivo nesta alteração com o atual cenário, não quer dizer que numa outra altura em que sejam alocados os devidos meios humanos e materiais junto da IGAC, que lhe permita fiscalizar, instruir os processos contraordenacionais e aplicar as respetivas sanções, não se deva ponderar de novo esta alteração legislativa, que se for alvo de uma implementação operacional adequada poderá trazer ganhos efetivos para os titulares de direitos, para os operadores económicos que se vêem afastados dos tribunais criminais por um ilícito muitas vezes cometido sem a verdadeira noção da dimensão do mesmo e, também, para os tribunais, que verão reduzidos o número de processos conhecidos nos mesmos por bagatelas penais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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