A música e o legado do Duo Ouro Negro vão ser celebrados em Abril

Dia 20 de Abril, o Casino Estoril acolherá um espectáculo aos "pioneiros no multiculturalismo" que terá depois carácter itinerante. Antes, dia 4 de Abril, o Museu de Etnologia, em Lisboa, será cenário para uma sessão de homenagem com o histórico Blackground como mote.

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Formado por Raul Indipwo e Milo MacMahon, o Duo Ouro Negro foi no seu tempo o nome mais internacional da música portuguesa, com par apenas em Amália Rodrigues EDIÇÕES VALENTIM DE CARVALHO S.A./DR

Vários músicos juntam-se no dia 20 de Abril, no Casino Estoril, nos arredores de Lisboa, para celebrar a música e o legado de Duo Ouro Negro, constituído em 1956 em Angola, e que foi “pioneiro no multiculturalismo”. Antes, dia 4 de Abril, o grupo será homenageado numa sessão no Museu de Etnologia, em Lisboa, que terá como mote a reedição o ano passado de um dos seus álbuns mais emblemáticos, Blackground (1972)

Organizado pelo Valentim de Carvalho, responsável pela edição original de Blackground, e pela Armoniz, selo que assegurou a reedição, a sessão no Museu de Etnologia está marcada para as 18h e tem entrada livre. Contará com a presença de músicos que contribuíram para a gravação do álbum, como Bonga ou Luís N'Gambi, figuras directa ou indirectamente associadas à história do Duo Ouro Negro, como Alcina Santos, Carlos Sanches, Eduardo Nascimento, Fernando Girão, Garda, Odete Cruz e Vum-Vum. Participará ainda uma banda contemporânea, os Lavoisier, que será uma das responsáveis pela componente musical da homenagem, na qual se incluirá ainda um debate moderado pelo radialista e investigador João Carlos Callixto e por Mário Lopes, jornalista do PÚBLICO.

Quanto ao espectáculo de dia 20 de Abril no Casino Estoril, terá lugar no salão Preto e Prata. Foi idealizado pelo produtor Ricardo Santos e junta músicos como Paulo Flores, Bonga, José Cid, Shout!, Luciana Abreu, Nelo de Carvalho, Dany Silva e Don Kikas.

Em declarações à agência Lusa, Ricardo Santos afirmou que o espectáculo, que terá posteriormente um carácter itinerante, é uma tentativa de “homenagear o Duo Ouro Negro, que foi um projecto magnífico, que teve uma duração de cerca de 30 anos, e que nunca foi reconhecido”. Ricardo Santos afirmou que se vão “reavivar memórias” e fazer “uma homenagem que nunca se fez nem em Portugal, nem em Angola, a um dos mais internacionais grupos”.

Nascidos em Benguela, no sul de Angola, em 1956, o Duo Ouro Negro, formado por Raul Indipwo e Milo MacMahon, veio para Portugal em 1959, e, “ao longo de três décadas, desenvolveu uma carreira internacional na indústria da música”, como assinala a Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, coordenada por Salwa Castelo-Branco.

O duo abordou vários estilos musicais, “resultado do cosmopolitismo dos seus elementos” e da sua capacidade em expressar diferentes culturas nacionais de Angola, apresentando nas suas actuações vários traços étnicos, segundo a Enciclopédia.

Além de português e das diferentes línguas angolanas, o grupo gravou em francês temas como Sylvie, La Kwela ou Le Palmier, entre outros, e abordou também repertórios latino-americanos, de expressão hispânica, o brasileiro e até norte-americano, onde nas suas diferentes digressões tiveram contacto com a luta pelos Direitos Civis da população negra. O duo protagonizou “uma das carreiras da música popular em Portugal de maior visibilidade internacional”, lê-se na Enciclopédia da Música Portuguesa.

O Duo Ouro Negro “foi efectivamente o grande embaixador da música angolana e africana no mundo”, disse por seu turno, Ricardo Santos à Lusa. Fruto das suas viagens por Angola, o grupo foi introduzindo diferentes expressões culturais nas suas músicas, assim como instrumentos autóctones, nomeadamente o “kissange”, o “dikanza” (conhecido em Portugal como reco-reco), o “exhatakata”, entre outros.

“O seu papel foi decisivo para o desenvolvimento da linguagem musical diversificada”, atesta a enciclopédia coordenada por Salwa Castelo-Branco, referindo “a fase de recriação de géneros em línguas angolanas, depois em português, no contexto da época, que favorecia a mestiçagem cultural”.

“É importante que as pessoas não se esqueçam do Duo Ouro Negro”, que organizou “o primeiro festival de música africana em Portugal”, disse o produtor, que convidou a participarem no espectáculo de 20 de abril “os artistas que mais representam a música lusófona” e gostam do Duo Ouro Negro, tendo logo à cabeça Bonga, Paulo Flores e Dany Silva, além de José Cid, com mais de 50 anos de carreira. No casino “vai ser [interpretado] repertório única e exclusivamente do Duo Ouro Negro”, disse Ricardo Santos à Lusa.

O grupo assinalou vários sucessos, um dos últimos foi Vou levar-te comigo (1979), numa altura em que se acreditou na paz em Angola, e protagonizou êxitos como Muxima, Eliza, Maria Rita, Amanhã ou Kurikutela, entre outros. O Duo Ouro Negro desenvolveu uma carreira internacional, na época só comparável à de Amália Rodrigues, com várias digressões pela Europa, Japão, América Latina, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

O grupo gravou mais de cem fonogramas. Em 1967 ganhou a Medalha de Ouro do II Festival da Música Popular do Rio de Janeiro e, em 1972, depois de se terem apresentado no Festival de Vilar de Mouros do ano anterior, aí estreando o álbum Blackground, ganharam o Prémio da Imprensa e a Galete d'Argent, no Festival de Kuokke Le Zut, na Bélgica. Em 1970 actuaram na Exposição Universal em Osaka, no Japão e, entre os diversos palcos que pisaram, destacam-se ainda, entre outros, o Waldorf Astoria, em Nova Iorque, o Olympia, em Paris, ou o Canecão, no Rio de Janeiro.

O Duo Ouro Negro, formado por Raul Indipwo (1939-2006) e Milo MacMahon (1941-1986), gravou álbuns em França, Estados Unidos e Argentina, e atuaram em locais, à época, remotos para a música lusófona, como o Afeganistão, Finlândia, Alemanha, Canadá ou Tailândia. Em 1996, o Governo do Canadá condecorou, na mesma cerimónia, o músico Raul Indipwo e a fadista Amália Rodrigues. “Esta homenagem, que nunca foi feita, vai ser essencialmente de afectos e para lhes dizer ‘obrigado'”, rematou Ricardo Santos.

Notícia corrigida dia 27 de Março às 21h42: João Carlos Callixto e não José Carlos Callixto como estava escrito

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