Famílias pobres têm cada vez mais rendas e empréstimos em atraso

O número de agregados familiares nesta situação aumentou 32% em dez anos, diz relatório da Federação Europeia de Organizações Nacionais que Trabalham com População Sem-abrigo que analisa dados até 2017.

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fabio augusto

Quase uma em cada dez famílias pobres portuguesas tem rendas ou empréstimos à habitação em atraso. E a situação tem vindo a piorar. Em 2017, 8,7% dos agregados familiares pobres estavam nessa situação. Um ano antes, eram 8,1%. E em 2007 ainda menos: 6,6%. O problema afecta 3,6% das famílias em geral.

Os dados fazem parte do relatório sobre exclusão habitacional da Federação Europeia de Organizações Nacionais que Trabalham com População Sem-abrigo, FEANTSA (na sigla francesa), publicado esta sexta-feira. A organização recorre às estatísticas do Eurostat relativas a 2017 (os dados mais recentes) e compara-as com anos anteriores.

Na União Europeia (UE), em 2017, 3% das famílias e 8% dos agregados pobres pobres tinham as suas rendas e empréstimos em atraso. Portugal está acima da média da UE. Aqui, a percentagem de famílias com rendimentos mais baixos com dificuldade em pagar rendas e empréstimos aumentou 32% desde 2007. Mas, mesmo assim, o país está longe de ser o pior colocado. Esse lugar é ocupado pela Grécia, onde um em cada cinco agregados familiares pobres demoram mais do que o suposto a pagar estas contas.

“Num grande número de países, toda a população tem sido afectada por este aumento [das rendas em atraso], mas o problema atinge os agregados familiares pobres de forma mais significativa na Áustria, Espanha, Chipre, Holanda, Portugal, Malta e Letónia (na Grécia e na Eslovénia, é entre as famílias não pobres que este número tem vido a aumentar)”, lê-se no relatório.

E porquê? “Terá a ver com a evolução dos valores das rendas”, diz Ana Cordeiro Santos, investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e uma das autoras do relatório do Observatório sobre Crises e Alternativas, do CES, intitulado A nova questão da habitação em Portugal. O problema afecta mais quem tem menos rendimentos, porque “uma boa parte das famílias pobres está no mercado de arrendamento privado”. E “dado que a habitação social tem um peso muito diminuto em Portugal, e está sobretudo concentrada nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, as famílias de menores rendimentos não têm acesso à habitação pública”, diz a investigadora.

Além disso, explica, “a maior parte das famílias são proprietárias — metade tem empréstimos e a outra metade já não”. Para quem ainda está a pagar empréstimos, “o que acontece, com as taxas de juro tão baixas é que o valor das prestações está a diminuir”, pelo que os custos têm sido “estáveis” ou até “decrescentes”.

Para quem arrenda a história é outra. Por um lado, porque “o valor das rendas tem acompanhado a evolução dos custos da habitação”. E, por outro, “com a contracção do mercado de arrendamento devido ao turismo”, uma família cujo contrato termina, ao procurar uma nova casa, já só vai encontrar opções “mais caras”.

Endividamento complica as contas

O trabalho da FEANTSA enumera alguns estudos que podem ajudar a explicar as dificuldades associadas a cumprir com o pagamento das despesas com a habitação. Num deles, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico refere que há países onde “muitas famílias estão fortemente endividadas em relação aos seus rendimentos, o que as deixa expostas à flutuação das taxas de juros, rendimento mensal ou circunstâncias pessoais”.

Mas isso não quer dizer que os agregados não ajustem os seus comportamentos para fazer face aos imprevistos. Um inquérito europeu sobre a qualidade de vida de 2016 concluiu que, nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário, 3% dos europeus alteraram os seus hábitos: mudando-se para uma casa menos cara, recebendo um inquilino ou indo morar com alguém. Uma estratégia adoptada por uma proporção maior de desempregados (7%) ou famílias monoparentais (6%).

Quase 40% passam frio em casa

Excluindo os pagamentos das rendas e empréstimos em atraso, em todos os outros indicadores que a FEANTSA utiliza para avaliar a situação de Portugal, há uma melhoria entre 2016 e 2017. E quase todos melhoram entre 2007 e 2017.

O que continua acima dos valores de 2007: o número de famílias pobres sobrecarregadas com os custos da habitação (+18%); o número de agregados jovens — tanto os pobres (+31%) como o total (+36%) — sobrecarregados com os custos da habitação e os custos totais das famílias pobres com habitação (subiram 27%). Considera-se que um agregado está sobrecarregado quando gasta mais de 40% do orçamento mensal com habitação.

Outro indicador: o número de famílias que não consegue manter a casa quente está a diminuir, mas continua muito acima da média. São, em termos gerais, uma em cada cinco. Mas entre as famílias pobres representam o dobro disso: 38,9%.

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