A RTP é do Povo, não é de Moscovo

As propostas de PCP e Bloco são um retrocesso para a partidarização da empresa pública e correm o risco de trazer de volta, compreensivelmente, a questão da privatização.

No último mês, e com a legislatura a chegar ao fim, o PCP e o Bloco de Esquerda entregaram propostas para mudar a governance da televisão pública. Em ambos os casos a ambição é clara: ter os partidos e o Governo a mandarem na RTP.

Actualmente, a Administração é nomeada pelo Conselho Geral Independente (CGI), que é composto por duas personalidades indicadas pelo Governo, por outras duas eleitas pelo Conselho de Opinião, e mais dois membros escolhidos pelos quatro anteriores – para garantir a independência do órgão perante o poder político. Este modelo, pensado por Miguel Poiares Maduro, teve a intenção de desgovernamentalizar a RTP e, desde então, não existiram casos de tentativas dos governos de instrumentalizar a televisão – funcionando com a maioria anterior e com o Governo socialista.

O PCP propõe (Proj. de Lei N.º 1154/XIII/4.ª) extinguir este órgão, que tem sido composto por personalidades independentes e prestigiadas, por um “Conselho Geral” composto por: representantes das bancadas parlamentares (seis, actualmente), Governo (três), trabalhadores (dois) e Conselho de Opinião (dois). Estes 13 membros cooptariam mais dois. Como se vê facilmente, no momento actual, a “geringonça” teria sete dos 13, uma maioria confortável para cooptar mais dois membros e, assim, ter nove em 15 membros! Este “Conselho Geral” seria fiscalizador e, ao mesmo tempo, teria o poder de “escolher o conselho de administração e apreciar o respetivo projeto estratégico, bem como definir as linhas orientadoras”.

Teríamos, pois, um politburo a nomear, mandar e fiscalizar o Serviço Público de televisão. Também o financiamento seria, para o PCP, “objeto de negociação entre o Governo e o conselho de administração da RTP”, tornando-se numa maior forma de pressão de qualquer Governo sobre a empresa.

Já o Bloco de Esquerda (Proj. de Lei N.º 1164/XIII/4.ª), afirma que “cabe à Assembleia da República a escolha do presidente do Conselho de Administração” – a maioria parlamentar passaria a escolher o seu “comissário” para dirigir a RTP. Isto, claro, se funcionasse porque, como o Parlamento demorou um ano para conseguir eleger os membros da ERC, o mais provável seria a RTP ficar sem administração até que existisse uma solução partidária.

É extraordinário que tanto o PCP como BE justificam as propostas com o subfinanciamento da RTP. Ou seja, partidos responsáveis pelos últimos quatro orçamentos – que aumentaram os custos da empresa mas não a receita – querem agora resolver a situação da RTP mudando quem manda e não o seu orçamento.

O Serviço Público, constitucionalmente assegurado, tem de ser um pilar de confiança e independência. Os partidos democráticos devem garantir estes valores – para mais numa época cercada pela desinformação – e não tentar controlar a televisão. Estas propostas são um retrocesso para a partidarização da empresa pública e correm o risco de trazer de volta, compreensivelmente, a questão da privatização – se a RTP for de alguns partidos, por que é que todos a pagamos? Defender a sua independência, incluindo de financiamento, e despartidarização é uma exigência para quem defende o Serviço Público, e não um serviço partidário de televisão.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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