E agora?

Os líderes políticos atuais revelam uma clamorosa imaturidade e insensibilidade.

Começou a guerrilha política. Luís Montenegro (L.M.) está cercado. Pedro Nuno Santos (P.N.S.) já revelou o seu plano tático. Não viabiliza qualquer orçamento vindo da direita. Toda a esquerda o acompanha. Ventura força uma negociação, a meu ver inevitável, com L.M., ancorado nos mais de 1 milhão de votantes no Chega. Por outro lado, qualquer tentativa de aproximação de L.M. ao Chega será imediatamente aproveitada e propalada, pela dita esquerda, como uma traição ao “não é não”, como uma cedência ao fascismo, um regresso ao passado, etc. P.N.S., e restante esquerda, aguardam este momento catártico em que poderão exibir mais uma “vitória” da esquerda. Afinal são todos fascistas, xenófobos, racistas, etc…

A (autodenominada) esquerda não sobrevive sem (os que classifica como) fascistas. E estes são um instrumento útil para asfixiar a direita democrática. Acontece desde 1974, com a queda do fascismo salazarista. Mas depois foi necessário criar outros “fascistas” democratas cristãos, social-democratas e, para os mais radicais, até os socialistas liberais. Tudo o que não seguisse a cartilha marxista-leninista era classificado como fascista.

E assim se foi erguendo o muro que continua até hoje. António Costa, com a sua manha e o seu tacticismo político, é o mais recente responsável pelas linhas vermelhas, pelas cercas sanitárias aos partidos de direita (não só o Chega, mas também PSD e CDS). Substituiu o muro entre as esquerdas, na época da "geringonça", por um outro entre esquerdas e direitas. Ao incluir, neste cerco, a direita democrática, mais não fez do que amplificar o Chega. E tudo isso por ambição, irresponsabilidade e incompetência, recorrendo a narrativas com torpes distorções da realidade, de mistificações e de mentiras.

O Chega (que se formou em 2019) capitalizou a onda de descontentamento que se agudizou nos últimos anos. Dos que têm voz, os grandes grupos de profissionais (professores, funcionários públicos, médicos, enfermeiros, polícias, militares, agricultores e muitos mais); e sobretudo dos que não têm voz – o enorme exército de pessoas esquecidas e marginalizadas. “Em 2023 (rendimentos de 2022), em Portugal, mais de 2 milhões de pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social (pessoas em risco de pobreza ou a viver em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa)”. Uma herança pesada da incompetência, da displicência e dos muitos casos que fizeram implodir a maioria absoluta.

E deve juntar-se a este desastre, a grave deterioração dos serviços públicos, sobretudo SNS e Escola Pública, a elevada emigração da geração “mais bem preparada de sempre” (!?), o problema gravíssimo da crise habitacional, a degradação acentuada da qualidade do ensino, superfacilitista, invadido pelas pedagogias da moda, agora digitais e artificialmente inteligentes, etc. e, como se disse, o mais grave o tremendo aumento da taxa de risco de pobreza.

Costa vangloria-se de contas certas e de um excedente orçamental de 4,33 mil milhões em 2023. Não é difícil perceber que as políticas de austeridade (as célebres cativações), baixas taxas de execução nos empreendimentos públicos e os cheques de milhões do PRR tenham ajudado, e muito, a este “brilharete”. Para ser justo, devo elogiar a descida do défice para valores inferiores a 100%, algo de positivo, sobretudo para gerações futuras, mas ainda muito longe do aconselhado pela UE.

E aqui chegados, o que fazer? Montenegro deve preparar-se para a reativação da pressão dos grupos profissionais. E serão muitos, possivelmente estimulados pelas “esquerdas”. Terá eventualmente de fazer cedências, as que prometeu, mas terá que estar preparado para outras que surjam da longa fila em espera. Mas terá que ser firme porque, se é verdade que há razões e injustiças por corrigir, elas não estão igualmente distribuídas. E as injustiças mais graves podem não ser das classes com maior expressão reivindicativa. E sabe-se como estas são permeáveis e passíveis de instrumentalização política, que certamente ressurgirá com maior agressividade para este governo de “direita”.

Gostaria de me referir por último ao papel dos media. Ventura foi muito hábil na exploração das fragilidades dos media. Nestes cinco anos de existência, Ventura e o Chega foram demasiadas vezes o foco da notícia diária, em horário nobre nas televisões, nos painéis de debate, de análises exaustivas de especialistas de tudo e mais alguma coisa, nos programas de entretenimento das manhãs e tardes. Isto não é uma crítica, embora talvez pudesse ter havido mais critério, mais pedagogia. Mas sobretudo, Ventura foi hábil na exploração da imundice das redes sociais, onde o seu discurso palavroso e demagógico encontrou terreno fértil. Sendo os jovens da geração mais bem preparada de sempre os maiores frequentadores destas redes, antevejo um futuro assustador.

Resumindo: dias negros nos esperam neste pobre país que nos querem fazer crer que é rico. Para alguns pode ser verdade. Para a maioria é uma realidade virtual criada nos gabinetes ministeriais, com os olhos postos em Bruxelas (e nos fundos), mas muito míope para a verdadeira situação dramática que muitos têm que enfrentar no dia a dia, e que será certamente agravada com a guerrilha política que se aproxima.

Os líderes políticos atuais revelam uma clamorosa imaturidade e insensibilidade. Transformaram o confronto político, que deveria um confronto leal, honesto e respeitador, entre adversários com diferentes ideias, num terreno de batalha entre inimigos. Transformaram a luta partidária numa partidocracia agressiva, que esquece facilmente o serviço à causa pública.

Precisamos urgentemente de adultos na sala.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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