Seca e intrusão salina podem condicionar utilização da água na Lezíria do Tejo até 2025

Projeto BINGO avaliou o impacto das alterações climáticas no ciclo integrado da água em seis casos de estudo na Europa. Os resultados finais serão apresentados em Maio.

Projecto BINGO avalia impacto das alterações climáticas no ciclo da água Joana Filipe, Ricardo Sampaio

A precipitação média até deverá diminuir menos do que algumas projecções anteriores vaticinavam, mas as previsões do impacto das alterações climáticas até 2025 no ciclo integrado da água na zona da Lezíria do Tejo, realizadas no âmbito do projecto BINGO, apontam para a possível ocorrência de períodos de seca, que se podem prolongar por dois a três anos. Com a redução de caudais a montante, antecipa-se ainda um aumento da intrusão salina que pode criar limitações à utilização de água da captação de Conchoso - que abastece os agricultores de uma das zonas mais produtivas do país.

Coordenado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), este é o primeiro projecto de investigação e inovação liderado por Portugal na área da acção climática, no âmbito do Horizonte 2020, e envolve 20 parceiros de seis países europeus. Nos últimos quatro anos, foram estudados os impactos das alterações climáticas em seis casos de estudo, abrangendo diferentes zonas da Europa e desafios distintos na área da água.

O caso de estudo de Portugal foca-se na Lezíria do Tejo e conta com a participação das principais entidades ligadas à utilização de água nesta região: a EPAL – Empresa Portuguesa de Águas Livres que abastece cerca de três milhões de pessoas; a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo e a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Uma das inovações do projecto foi, aliás, o desenvolvimento de “comunidades de prática”, centradas nos casos de estudo, que acompanharam os trabalhos desde o início e “interagiram de forma permanente” no desenvolvimento do projeto, salienta a coordenadora do BINGO, Rafaela Matos. Segundo a investigadora do LNEC, há hoje “um conhecimento mútuo e uma convivência dessas entidades, que têm de gerir a água, melhor do que havia no início”. E esta cooperação é importante, até porque, na resolução de problemas complexos, “não existem consensos”. “O que é preciso é negociar, chegar a uma plataforma de entendimento e compromisso”, realça.

Da previsão à adaptação

As previsões climáticas avançadas pelo Bingo sobre as disponibilidades de água na Lezíria do Tejo têm potenciado “sinergias” com um outro projecto: o AGIR – Sistema de Avaliação da Eficiência do Uso da Água e da Energia em Aproveitamentos Hidroagrícolas. Coordenado pela FENAREG – Federação Nacional de Regantes de Portugal, este envolve a criação de indicadores “que permitam orientar e apoiar decisões em termos de uso eficiente de água e energia”, concretiza Rafaela Matos.

Para a EPAL, que já promovera, em 2010-2013, um estudo sobre o impacto da mudança climática nas suas origens – Castelo de Bode, Valada Tejo e águas subterrâneas – com um horizonte de 30 anos, uma das principais novidades do BINGO é a previsão decadal. “Para a próxima década consegue-se prever o clima com mais certeza”, explica Ana Luís, Diretora de Gestão de Ativos da EPAL. E apesar de “a vulnerabilidade do sistema [de abastecimento] às alterações climáticas ser baixo”, a entidade gestora tem já uma estratégia de adaptação em curso. Ter informação mais precisa sobre como pode evoluir a precipitação média ou qual a probabilidade de ocorrência de eventos extremos, é “uma enorme mais-valia para efeitos de exploração do sistema e de uma execução atempada de medidas de adaptação”, especifica a gestora. Nem demasiado cedo para não se incorrer em investimentos desnecessários, nem demasiado tarde para que não falte água na torneira.

Mas não basta fazer chegar estas conclusões à comunidade técnica e científica, diz Rafaela Matos, é preciso envolver também a sociedade em geral. “Isto é um problema de todos e, portanto, todos temos de fazer parte da solução”, insiste. “E, muitas vezes, é a falta de conhecimento, [são] pequenos passos que podem fazer a diferença”. Já este sábado, dia 23 de Março, é organizado um dia de actividades em Valada do Tejo, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Água. O objectivo é levar as famílias a saber mais sobre água, o Tejo e o Bingo, para poderem, também elas, contribuir para um uso mais eficiente de água. 

Quanto aos resultados finais do BINGO serão apresentados na ECCA 2019 – European Climate Change Adaptation Conference, que se realiza de 29 a 31 de Maio, no Centro Cultural de Belém em Lisboa. 

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