Rede 5G: nuvens de desconfiança, dúvidas e recuos

Analistas alertam para um quadrilátero digital na China entre as empresas privadas, o poder tecnológico, os militares e os serviços secretos.

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Assinatura do protocolo entre a Huawei e a Altice Rui Gaudêncio

A diplomacia, as centrais de informações e o mundo dos negócios estão em guerra. Motivo: o desenvolvimento da quinta geração de redes móveis, 5G, da chinesa Huawei, sobre a qual os Estados Unidos brandem a suspeita da mais intrusiva espionagem. As nuvens de desconfiança suscitaram adesões de vários países, mas as pressões de Washington provocam dúvidas.

Estados Unidos, Japão, Noruega, Austrália, Noruega e Taiwan impediram fornecedores de telecomunicações de utilizarem componentes da Huawei nas suas redes, dando por válido que o maior produtor de equipamento do mundo age em conluio com Pequim por empresas de segurança afirmarem que encontraram software nos telemóveis da marca com capacidade de enviar dados dos utilizadores para a China — de cidadãos a empresas, passando por organismos oficiais dos Estados. A suspeita estende-se a outros equipamentos do fabricante chinês.

A British Telecom retirou equipamento da Huawei do sensível sistema de comunicações de urgência do Reino Unido. Contudo, o centro de segurança cibernético britânico concluiu que existem formas de contornar estes riscos associados à quinta geração dos chineses.

A Índia, os Emiratos Árabes e a Itália estão em compasso de espera. Segundo a edição de 17 de Março do The New York Times, a campanha norte-americana não apresenta provas concretas de risco que os convença. Ou seja, Washington não procede à partilha de informação classificada que justifique a prevenção.

A posição de Berlim é sintomática: Ângela Merkel pediu salvaguardas a Pequim para garantir que as empresas chinesas não partilham as informações dos utilizadores com o Governo, mas a chanceler reafirmou que decidirá por si própria. “A exclusão directa de um fabricante de 5G em particular não é de momento possível legalmente nem está prevista”, afirmou há 48 horas o Ministério do Interior alemão.

Foi na Polónia que, em Janeiro, a “secreta” polaca, ABW, deteve dois homens acusados de espionagem que trabalhavam na sucursal da Huawei: Weijin W, director de vendas; e o polaco Piotr D. que trabalhara na agência de segurança interna nacional, com conhecimento das redes de telecomunicações de altos dirigentes polacos. Imediatamente, a Huawei despediu Weijin.

Apesar de a União Europeia, de quem a China é o segundo parceiro comercial, não ter definido uma posição, veio o alerta do estónio Andrus Ansip, vice-presidente da Comissão Europeia e comissário do Mercado Único Digital. “Como pessoas normais que somos, temos de ter receio”, disse.

“A relação entre as empresas privadas e o Estado chinês não é a mesma das democracias ocidentais”, anotou Nuno Severiano Teixeira em artigo publicado no PÚBLICO. “A China aprovou recentemente uma lei sobre a cibersegurança e outra sobre a informação que estabelecem a obrigatoriedade de colaboração das empresas com os órgãos responsáveis pela segurança digital, criando um quadrilátero digital entre as empresas tecnológicas, os organismos estatais de investigação e desenvolvimento, as forças militares e as agências de intelligence”, anotou o ex-ministro da Defesa. Num país autoritário, com dirigentes empresariais oriundos do Partido Comunista Chinês — o presidente da Huawei foi soldado do Exército Vermelho — sem sociedade civil e com uma liberdade vigiada, o quadrilátero digital é um upgrade dos complexos militares industriais do Ocidente.

A Huawei e as autoridades chinesas negam as acusações e anunciaram um processo contra o Governo Trump por proibir a compra pelos serviços públicos dos seus equipamentos de telecomunicações. “O Congresso dos Estados Unidos nunca foi capaz de fornecer qualquer prova que justifique as restrições aos produtos da Huawei”, disse, a 7 de Março, Guo Pin, um dos responsáveis da empresa.

“Uma coisa é rastrear para proteger sectores estratégicos, outra coisa é usar isso para abrir as portas ao proteccionismo”, declarou, em entrevista a 4 de Março ao Financial Times, António Costa, referindo-se à legislação aprovada pelo Parlamento Europeu para controlar investimento estrangeiro na União. No entanto, afirmou partilhar as preocupações do Ocidente em relação à participação da Huawei nas redes 5G na Europa. No debate quinzenal desta terça-feira, Costa voltou ao tema e recusou o “proteccionismo” a pretexto da segurança. “Verifico, aliás, que países exigentes como o Reino Unido, há uma semana, e hoje mesmo a Alemanha, declararam, com toda a informação que têm disponível, que não têm nenhuma razão para excluir a Huawei do acesso ao mercado relativamente aos 5G”, disse.

Em 28 de Fevereiro, Ajit Pai, da Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos, e o embaixador dos EUA E. Glass consideraram em Lisboa que Portugal deve ficar à margem do desenvolvimento da geração de redes móveis da Huawei. Numa inusitada conferência de imprensa, afirmaram que a relação luso-atlântica e a troca de informações entre países da NATO pode ser afectada. A chinesa ripostou: “A Huawei não permite e nunca permitirá a existência de qualquer partilha indevida de dados através dos seus equipamentos.” Em Dezembro passado, na visita do Presidente Xi Jinping a Portugal, foi assinado o acordo da Altice com a Huawei para acelerar o desenvolvimento e capitação da rede 5G em Portugal.

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