May insiste no adiamento do “Brexit” até Junho e culpa Parlamento pelo impasse

Primeira-ministra britânica exclui prorrogação prolongada da saída, depois de ter prometido esse cenário. Juncker diz que o limite para adiamento curto é 23 de Maio e Tusk condiciona o desejo de May à aprovação do acordo na próxima semana.

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Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido Reuters/POOL

Primeiro a (única) boa notícia para Theresa May: nem o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, nem o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, rejeitaram o pedido que apresentou para uma extensão “técnica” das negociações do “Brexit” e o adiamento da data da saída do Reino Unido da União Europeia até 30 de Junho. “Acredito que uma extensão curta é possível. Mas é condicional a um voto positivo do acordo de saída na Câmara do Comuns na próxima semana”, avisou Tusk.

Mas essa é a má notícia para a primeira-ministra britânica, que continua sem estratégia, sem alternativas e sobretudo sem maioria para ratificar o tratado jurídico que consagra o divórcio entre Londres e Bruxelas. Esta quarta-feira, voltou atrás nas promessas que fez ao Parlamento, pedindo aos líderes europeus uma prorrogação de três meses da data do “Brexit”.

Depois de ter chumbado, pela segunda vez, o tratado jurídico da saída e de ter votado contra um divórcio sem acordo, a Câmara dos Comuns aprovou na última quinta-feira uma moção, apresentada pelo Governo, na qual este garantia que, se o acordo tivesse luz verde dia 20, o adiamento do “Brexit” seria de três meses. Se não fosse aprovado, o adiamento seria mais longo.

Mas May mudou de ideias e diz agora “não estar preparada para atrasar o ‘Brexit’ para lá de 30 de Junho”. E na hora de explicar aos britânicos os últimos episódios de mais um dia político longo e confuso para lá do Canal da Mancha, apontou o dedo aos deputados.

“Até agora o Parlamento fez todos os possíveis para evitar tomar uma decisão. Todos os deputados estiveram disponíveis para dizer que cenários não querem”, acusou May, num discurso ao país. Agora, insistiu, chegou o momento de fazerem a “escolha final”. Têm que dizer se “querem sair com um acordo”, se “querem sair sem acordo” ou se “não querem sair de todo, provocando um dano irreparável na confiança dos cidadãos no processo democrático”. 

“E eu continuarei a trabalhar noite e dia para garantir o apoio dos meus colegas, do DUP e de outros, para este acordo”, afiançou. 

O problema das europeias

A perspectiva apresentada por May de uma “extensão técnica” do prazo para a aplicação do artigo 50º do Tratado de Lisboa, que seria curta e indolor, ficou seriamente comprometida logo que foi apresentada. “Apesar dos seus méritos, a proposta [de prolongamento das negociações] até 30 de Junho coloca problemas de natureza jurídica e política que os líderes europeus terão de discutir”, assinalou Tusk, para quem a “questão da duração da extensão permanece aberta”.

Na carta-convite enviada aos líderes europeus, o presidente do Conselho Europeu assegurou ainda que se a Câmara dos Comuns aprovar o acordo na próxima semana, a extensão do prazo de saída pode ser formalizada por escrito.

Mais incisivo, Juncker, identificou de imediato um problema na proposta de Downing Street — uma incongruência para a qual já tinha chamado a atenção de May, mas que a primeira-ministra britânica optou por ignorar. “Se o prazo se prolongar para além do dia 23 de Maio, o Reino Unido terá de realizar as eleições europeias, ou corremos o risco de novas dificuldades institucionais e mais incerteza jurídica”, repetiu o chefe do executivo europeu num telefonema para Londres.

Na sua intervenção esta quarta-feira na Câmara dos Comuns, a líder conservadora afirmou que a convocação dessa votação no Reino Unido “não interessa a ninguém” e acusou os deputados de “estarem ceder há demasiado tempo à Europa” – presumindo que o seu plano corre como previsto, os eurodeputados britânicos eleitos nunca assumiriam o mandato, uma vez que o Reino Unido já estaria fora da UE na data da tomada de posse do novo Parlamento Europeu.

Mas a interpretação europeia não é essa. Segundo um documento interno, preparado pela Comissão Europeia para informar os chefes de Estado e de Governo sobre os vários cenários possíveis, se o Reino Unido ainda fizer parte do clube a 23 de Maio, não terá como evitar a realização das eleições, sob pena de recusar um direito fundamental aos seus cidadãos e a comprometer a legalidade de todos os actos do futuro Parlamento Europeu.

A questão das eleições europeias é sensível para um largo número de Estados-membros, desde logo aqueles que seriam beneficiados com o aumento da sua representação no Parlamento Europeu após a saída dos britânicos. 
Mas a instabilidade do “Brexit” também é incómoda em países onde partidos populistas e de extrema-direita ameaçam a ordem política estabelecida — não é por acaso que o Presidente francês, Emmanuel Macron, tem assumido as posições mais duras contra as pretensões de May.

Esta quarta-feira até chegou a circular a informação de que estava preparado para quebrar a unanimidade e recusar dar mais tempo para a saída do Reino Unido. E, segundo a Press Association, “Espanha, Bélgica e talvez Itália” também torcem o nariz a uma prorrogação do prazo do “Brexit” se “não houver indícios” de que a Câmara dos Comuns “está pronta para aceitar o acordo” e que “o impasse possa ser desbloqueado”.

A posição dos parceiros continentais, à partida para a cimeira de líderes em Bruxelas na quinta-feira, era de que o Reino Unido precisava de demonstrar, com um plano concreto, a “utilidade” de uma extensão do prazo do “Brexit”. Na carta enviada a Tusk, May não oferece resposta às dúvidas levantadas pelos europeus — não é, por isso, de excluir a hipótese de que nada de definitivo seja acertado no Conselho Europeu.

“Não podemos desistir de procurar uma solução positiva até ao último momento, mesmo se a esperança num sucesso final pareça frágil e até ilusório”, afirmou Tusk, que está disposto a chamar os 27 a Bruxelas para uma cimeira extraordinária na próxima semana se o impasse se mantiver.

Corbyn virou costas

A mudança de planos de May foi recebida com indignação e fúria pela oposição e até por elementos do próprio Governo. Um membro do executivo disse que a primeira-ministra estava a protagonizar uma “rendição medrosa à ala dura” do Partido Conservador e o deputado Dominic Grieve confessou mesmo “nunca se ter sentido tão envergonhado por ser membro” do partido tory, depois de ouvir May falar na Câmara dos Comuns. 

Antes do comunicado ao país, a primeira-ministra recebeu em Downing Street os líderes dos partidos da oposição para os tentar convencer, uma vez mais, a apoiarem os seus planos. Os media britânicos interrogaram-se se May iria aproveitar a ocasião para lhes anunciar que se demitiria em troca do seu respaldo, mas pouco ou nada acrescentou ao que tinha dito de manhã, no Parlamento.

O destaque do encontro acabou por ser a saída abrupta de Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, que recusou sentar-se à mesma mesa que o ex-deputado trabalhista Chuka Umunna, agora independente, por considerar que este não tinha legitimidade para ali estar, por não ser líder partidário. Um exemplo claro do estado de total dissonância e fragmentação que tomou conta da política britânica nos últimos meses.

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