Novo estudo confirma que o museu americano é um homem branco

Levantamento estatístico inédito mostra que 85% dos artistas representados nas colecções do Metropolitan, MoMA ou National Gallery of Art são brancos e que 87% deles são homens.

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Uma vigilante na mostra Undressed: A Brief History of Underwear no Museu Victoria & Albert DYLAN MARTINEZ/Reuters

Um novo estudo que contabiliza a diversidade – ou falta dela – nas colecções dos principais museus dos EUA concluiu que 85% dos artistas representados nas colecções de instituições como o Metropolitan Museum, o MoMA ou a National Gallery of Art são brancos e que 87% deles são homens. São “provas quantitativas dos problemas de diversidade que muitas vezes se discutem no mundo da arte”, diz o investigador Chad Topaz, que espera que as ferramentas que usou possam ser agora utilizadas para melhorar a representação nestas e noutras instituições.

As conclusões do estudo inédito, coordenado pelo matemático Chad Topaz da norte-americana Williams College, traduzem e coligem em números as denúncias feitas ao longo dos anos: há quatro grandes grupos de artistas representados nestes acervos e o maior deles é masculino e caucasiano (75,7%). As mulheres brancas são 10,8% dessas entradas (o total percentual de mulheres identificadas no conjunto dos 18 museus é de 12,6%) e os homens asiáticos são apenas 7,5%; os homens hispânicos ou latinos meros 2,6%.

Diversity of artists in major U.S. museums é o primeiro estudo quantificador a grande escala sobre o tema, e abrange 18 museus de referência nos EUA: O Metropolitan Museum, o Whitney Museum of American Art e o Musem of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque, mas também o Art Institute of Chicago, o Los Angeles County Museum of Art e o MOCA - Museum of Contemporary Art de Los Angeles, além do San Francisco Museum of Modern Art (SFMoMA) ou da National Gallery of Art. Dos seus catálogos online foram escolhidos 10 mil registos como amostra demográfica, usando a plataforma de crowdsourcing Amazon Mechanical Turk para juntar contributos que resultaram na identificação de 45 mil obras de arte a partir das quais era possível “medir os géneros, etnias, origens geográficas e décadas de nascimento dos artistas nas colecções” destes importantes museus.

Os números são a reprodução de séculos de assimetrias no acesso aos espaços de ensino, ao espaço público e à validação por pares ou instituições. E também, contextualizam a certa altura os autores, espelham a própria estrutura laboral dos museus, onde 72% dos trabalhadores são brancos e apesar de 60% deles serem mulheres, só 43% dos cargos de direcção – aqueles que decidem aquisições, contratações, programações – são mulheres. São dados que surgem na esteira de um estudo de 2015 pela Andrew W. Mellon Foundation, que mostrava que apenas 28% dos trabalhadores de 181 museus que participaram no levantamento eram não-brancos e eram sobretudo seguranças ou empregados de limpeza. Deu depois origem a estudos de caso para mostrar que tipo de práticas podem ajudar a melhorar a diversidade nos bastidores e nas salas dos museus.

Topaz, professor de Matemática Aplicada, é, juntamente com oito outros investigadores de várias universidades e que incluem também peritos em arte e história de arte, autor do estudo que foi divulgado esta quarta-feira. No passado, já se debruçou sobre a desigualdade na sua própria profissão, a Matemática, e voltou-se para as artes depois de perceber que a diversidade no sector era discutida mas não quantificada. “A minha experiência é de que há dois campos quando se discute a diversidade na arte”, explica por email ao PÚBLICO. “Aqueles que acreditam/sabem que a falta de diversidade é um problema e aqueles que negam que o é”, separa.

O novo estudo, explica, “fornece bases empíricas para o que há anos é já amplamente conhecido”. E, espera que “dê alguma força para contrabalançar o negacionismo”.

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Chad Topaz DR

O levantamento Diversity of artists in major U.S. museums mostra ainda que “a relação entre a missão dos museus e a diversidade dos artistas é fraca, sugerindo que um museu que deseje aumentar a sua diversidade pode fazê-lo sem mudar a ênfase em tempos ou regiões específicos”. “As nossas contas são a prova de que isso pode acontecer”, acrescenta ao PÚBLICO. A vontade dos investigadores é pôr agora a sua metodologia ao serviço das instituições. “O nosso estudo demográfico dá aos museus pontos de referência para a diversidade nas suas colecções e pode ser usado para tomar decisões com impacto no desenvolvimento da colecção”, lê-se no documento.

Quanto a resultados individualizados de alguns museus, destacam-se alguns casos: o Metropolitan, o Museum of Fine Arts de Bostn ou o Detroit Institute of Arts têm, proporcionalmente, muito menos mulheres autoras nas suas colecções e o Whitney, o MOCA e o SFMoMA estão acima da média na representação feminina. A parca representação de artistas negros é uniforme nos diferentes museus e o MOCA e o Denver Art Museum são mais eficazes na inclusão de artistas latinos ou hispânicos. 

Os autores do estudo fazem a ressalva de que com a estatística vêm as habituais margens de erro, mas também as margens de erro próprias de amostras recolhidas via crowdsourcing, que tentaram corrigir com confronto com dados colhidos aleatoriamente. Outra nota, e que é particularmente sensível no que toca a museus enciclopédicos como o Metropolitan, é que todos os dados dizem respeito a artistas individuais e identificáveis – muita da arte clássica, por exemplo, não tem autores identificados – e que a forma mais fiável de classificar o género ou raça de um artista é que seja o próprio a identificar-se e que isso só é possível fazer com artistas vivos e que tenham produzido discurso sobre isso. E, por fim, o foco do estudo é sobre a referência a um artista e não sobre o número de obras desse autor patentes em dada colecção.

Nos últimos anos, com as questões da diversidade e representação na primeira linha da actualidade, as velhas queixas feitas por grupos activistas como as Guerrilla Girls, que assinalam a falta de mulheres artistas e de diversidade racial nos museus, ganharam eco em levantamentos sectoriais. Segundo o New York Times escrevia no final de 2018, os principais museus europeus e norte-americanos têm apenas 5% de obras de artistas femininas, por exemplo. Em 2018, a National Gallery de Londres comprou a sua primeira obra de uma mulher em 27 anos. Em Portugal, a ministra da Cultura prometeu anunciar em breve medidas para corrigir as assimetrias de género nas artes e sua relação com as políticas públicas.

Em 2017, o PÚBLICO fez as contas à representatividade nas principais instituições artísticas e concluiu que a colecção de Serralves tem obras de 814 artistas homens e 239 mulheres (durante a direcção de Suzanne Cotter, entre 2013 e 2015, as aquisições de obras de mulheres aumentaram 40%); no Museu Berardo começou-se com 862 obras, das quais 65 são de artistas mulheres, e entre as 230 novas aquisições há obras de 16 mulheres; na Colecção Moderna da Gulbenkian há 268 mulheres artistas num total de 1253 artistas. 

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