Cientistas conseguem alargar limites físicos do grafeno

Cientistas do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga, conseguiram aumentar 1000 vezes os limites físicos do grafeno, uma forma de carbono com a espessura de um átomo.

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Superfícies de uma “bolacha” de 200 milimetros onde se podem ver vários chips , cada um com três transístores de grafeno DR

Até onde vão os limites físicos do grafeno? Uma equipa de cientistas do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, fez uso desta questão e desafiou-os. No final, conseguiu aumentar 1000 vezes os limites desta forma de carbono relativamente ao que se tinha alcançado até agora. Isto é, alargou o limite da detecção de moléculas-alvo e da sensibilidade de transístores à base de grafeno. Publicados nas revistas científicas Applied Surface Science e ACS Sensors, estes resultados poderão contribuir para novas utilizações do grafeno – por exemplo – em biossensores.

No início, os objectivos deste trabalho eram outros. “O primeiro objectivo era demonstrar que uma tecnologia baseada em transístores de grafeno podia superar largamente as tecnologias comerciais usadas hoje em dia para biossensores”, conta ao PÚBLICO Pedro Alpuim, físico do INL, professor na Universidade do Minho e coordenador deste trabalho.

Esta equipa tinha ainda de detectar moléculas-alvo de um antigénio num projecto científico sobre a detecção da transformação hemorrágica precoce da isquemia cerebral. A mesma detecção também foi feita num projecto sobre a análise de castas de vinho, neste caso, numa sequência de 25 nucleótidos – constituintes químicos elementares que compõem a grande molécula de ADN – de uma casta de vinho do Porto.

Passo a passo, vejamos o que esta equipa fez. Primeiro, obteve grafeno – uma forma de carbono que consiste numa monocamada de grafite e que tem a espessura de um átomo – através da técnica de deposição química de vapores, a única até agora disponível para conseguir grafeno à escala das dezenas de centímetros. 

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Transístores de grafeno fabricados à escala de uma “bolacha” de 200 milimetros DR

Depois, esse grafeno foi transferido para “bolachas” de silício de 200 milímetros onde são fabricados transístores. Durante a experiência, também se imobilizaram sondas biomoleculares na superfície do grafeno. Por fim, numa gota de uma solução de cinco microlitros, modulou-se a resposta eléctrica dos transístores através das reacções químicas das sondas biomoleculares com as moléculas-alvo. Foi neste último passo que se detectaram as moléculas.

E foi nos testes às sequências de ADN que se desafiaram os limites físicos do grafeno. Durante as experiências, os cientistas foram baixando as concentrações de moléculas de ADN até não se conseguirem detectar mais. A menor concentração foi de 6000 moléculas por mililitro, um recorde.

Estabelecido assim um novo limite de detecção de moléculas-alvo, fizeram-se testes a uma sequência de ADN com um erro. “O novo biossensor foi capaz de distinguir entre as sequências com e sem o erro”, indica-se num comunicado do INL.  

O que quer isto dizer? Que se alcançou mesmo um novo recorde no limite da detecção de uma sequência de ADN através da utilização de transístores de grafeno, assim como da sensibilidade (menor variação da concentração de moléculas-alvo que o transístor consegue distinguir) dos dispositivos.

Se até à data o limite físico da detecção (quantidade mais pequena de moléculas que se consegue ver nos sensores, neste caso, de transístores de grafeno) era de seis milhões de moléculas por mililitro, agora é então de 6000 moléculas por mililitro. Ou seja, conseguiu-se aumentar 1000 vezes os limites físicos do grafeno. “Até aqui, os sensores eram cegos em concentrações menores de seis milhões de moléculas por mililitro”, explica Pedro Alpuim. “E pensava-se que não era possível que o grafeno reagisse a uma concentração tão pequena de moléculas de ADN.” 

Travessia do vale da morte

“[Este trabalho] mostra que o grafeno pode estar por trás de uma nova geração de tecnologias de biossensores”, refere Pedro Alpuim. “Mostra também que o grafeno obtido pela deposição química de vapores pode ter um desempenho elevado, sucedâneo do do grafeno exfoliado (que não se pode estender a áreas elevadas).”

Pedro Alpuim adianta que se conseguiu alcançar estes resultados devido à elevada qualidade do grafeno obtido por deposição química em fase vapor. “Depois, desenvolveu-se uma arquitectura dos transístores e um processo de fabrico em sala limpa que é muito eficaz e preserva as qualidades e propriedades do grafeno em elevado grau”, acrescenta.

Relativamente às aplicações, estes resultados são o primeiro passo para uma nova geração de biossensores à base de grafeno com um limite mais alargado na detecção de moléculas-alvo e na sensibilidade do que o das tecnologias já existentes, segundo Pedro Alpuim.

Além disso, estas conclusões permitem antever uma tecnologia baseada em dispositivos portáteis do tipo lab-on-a-chip (microlaboratório num chip), os tais biossensores. Por exemplo, poderá desenvolver-se um sistema de microanálise que é transportado até à casa de um doente. A seguir, liga-se o sistema a computador nessa casa e tem-se logo o resultado.

Num futuro a curto prazo, a equipa de Pedro Alpuim quer garantir a reprodutibilidade destas experiências, assim como testar amostras complexas vindas de produtos naturais como sumo de uva ou vinho. Afinal, todas as sequências de ADN usadas neste trabalho são sintéticas e testadas em meio sintético.

Mas o “caminho ainda é longo, caro e difícil”, assume Pedro Alpuim. “Estas duas etapas são muito difíceis, normalmente demoradas, e são elas que nos vão dizer que se se está perante uma tecnologia disruptiva com aplicabilidade à escala industrial e clínica ou se estes resultados preliminares ficarão apenas para os anais da história da ciência e tecnologia do grafeno”, esclarece. “Há quem chame às etapas que decorrem entre a descoberta científica e tecnológica ao nível do laboratório de investigação e a aplicação da tecnologia industrial que daí resulta a ‘travessia do vale da morte’!” Nessa travessia poucas são as tecnologias promissoras que sobrevivem, mas este trabalho mostrou que vale a pena enfrentar este temido caminho.

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