Força de vontade, o caraças

Dizer que o importante é ter força de vontade e ainda que as limitações estão na nossa cabeça é culpabilizar a própria pessoa com diversidade funcional pela exclusão social de que é vítima.

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Paulo Pimenta

São ainda significativos, em número e robustez, os preconceitos que travam a inclusão das pessoas com diversidade funcional. Sabendo muito bem, todos nós, que o preconceito medra no terreno da ignorância, muito do trabalho importante para a promoção da aceitação incondicional da diversidade humana, passa, obrigatoriamente, por difundir informação e conhecimento que, justamente, favoreçam a construção de uma sociedade, humana e socialmente, madura, substrato de uma plena e verdadeira inclusão.

Neste contexto, mais importante do que comunicar, é saber comunicar. Uma comunicação pobre, sem retaguarda bibliográfica e baseada no senso-comum, tem um efeito exactamente contrário ao pretendido e acaba por reforçar os preconceitos que tanto precisam de ser combatidos. Um dos erros mais comuns é contaminar todo o discurso com uma forte dimensão emocional. Não são raras as vezes em que, nesta lógica, ainda ouvimos o discurso “da força de vontade”.

Infelizmente, este tipo de discurso teve, recentemente, um novo fôlego com o boom do coaching e das metodologias de desenvolvimento pessoal que apresentam narrativas semelhantes para pessoas que não enfrentam tantas e as mesmas dificuldades do que aquelas que vivem com diversidade funcional.

Dizer que o importante é ter força de vontade e ainda que as limitações estão na nossa cabeça é culpabilizar a própria pessoa com diversidade funcional pela exclusão social de que é vítima. A não-transposição dos enormes e constantes entraves que a pessoa encontra se deverá, assim, a não ter investido o suficiente ou a ter-se acomodado. É este o discurso que interessa aos responsáveis políticos e institucionais porque, objectivamente, os desresponsabiliza pela sua inoperância na construção de um meio que deixe de hostilizar este grupo de pessoas. Esta abordagem não interessa a quem quer promover e construir uma sociedade inclusiva, interessa sim a quem quer varrer os problemas para debaixo do tapete.

Eu, ultimamente, tenho sido alvo deste discurso por estar a trabalhar. Tenho 90% de incapacidade, sustentados por uma doença neuromuscular congénita e progressiva. No entanto, apesar disso, sempre quis e quero trabalhar. Acredito ser capaz e, de resto, estou a demonstrá-lo.

Sempre acreditei, importa referir. Desde 2007 quando terminei a minha licenciatura, até 2019 quando assinei o meu primeiro contrato de trabalho. Sim, tiveram de passar 12 anos. Devo dizer que não consegui só agora porque a minha força de vontade foi maior; consegui porque encontrei, finalmente, uma entidade patronal, a APPACDM do Porto, que acreditou no meu valor e me aceitou como sou, oferecendo-me as condições necessárias para conseguir trabalhar com qualidade e conforto. Consegui também porque tenho colegas que, ao longo do dia, me vão apoiando a troco de nada e ainda porque encontrei a Cruz Vermelha de Gondomar/Valongo que me transporta a um preço razoável. Se eu não tivesse conseguido reunir todas estas condições, bem podia ter toda a força de vontade do mundo que pouco adiantaria.

Muitos continuam cheios de força de vontade em suas casas. A sua invisibilidade faz com que outros digam que se acomodaram. Eu sei que não foi isso que aconteceu e desejo, todos os dias, que tenham também uma oportunidade como aquela que eu hoje vivo feliz.

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