A tragédia do ciclone Idai torna-se mais dramática a cada minuto

A ONU fala numa das piores tempestades de sempre no Hemisfério Sul e o pior ainda não passou. A chuva que continua a cair com força ameaça os sobreviventes que aguardam ser salvos em cima de árvores, de telhados, de outeiros

Três países enfrentam a "pior tempestade de sempre no Hemisfério Sul" Carolina Pescada

Uma das piores tempestades de sempre no Hemisfério Sul criou “oceanos interiores que se estendem por quilómetros e quilómetros” no centro de Moçambique, com a água de dois rios, o Púnguè e o Búzi, que extravasaram as margens depois das chuvas torrenciais de quinta-feira, na passagem do ciclone Idai.

“Muitas pessoas estão em situação desesperada, vários milhares estão a lutar para sobreviver” e as próximas 72 horas serão críticas para muitas das que esperam ser resgatadas em cima de árvores, de telhados, em morros transformados em ilhas. Herve Verhoosel, porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, referiu esta terça-feira que “esta é uma grande emergência humanitária que se torna maior a cada minuto que passa”.

O PAM, que coordena o trabalho das Nações Unidas no terreno, está a usar meios aéreos para levar ajuda humanitária aos moçambicanos presos pelas águas, lançando desde o céu alimentos, água potável e cobertores para que as pessoas possam aguentar mais algum tempo até à chegada das equipas de emergência que tentam resgatar os sobreviventes numa corrida contra o tempo.

O balanço dos mortos foi ontem actualizado pelo presidente moçambicano, Filipe Nyusi, subindo para mais de 200. O chefe de Estado deslocou-se à Beira junto com o Governo que realizou um Conselho de Ministros na cidade destruída ou danificada a 90% pela passagem do Idai.

“Temos que agir rápido, milhares de pessoas estão em risco de vida, precisamos de barcos, helicópteros, tendas, água, alimentos para socorrer as populações”, afirmou o ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, citado pelo site Carta de Moçambique.

Dez mil pessoas, incluindo crianças, estão cercadas na sede do distrito de Búzi, em risco de vida pois as águas continuam a subir. As previsões do Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique não são animadoras, prevendo-se que as chuvas continuem a cair com grande intensidade até quinta-feira.

Búzi é neste momento o ponto mais crítico, tendo em conta que há possibilidade do rio Save também vir a transbordar, dificultando o trabalho das equipas de resgate do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (com ajuda de forças da África do Sul) e das organizações não-governamentais que estão no terreno. No Zimbabwe (onde há registo de 98 mortos pela passagem da tempestade), as autoridades libertaram alguma da água que ameaçava as suas barragens, piorando a situação em Moçambique.

“Há locais onde os rios estão vários metros acima do seu habitual nível”, afirmou ao PÚBLICO Caroline Haga, da equipa da Cruz Vermelha Internacional que está actualmente na Beira. A situação está “muito difícil”, acrescenta, porque duas catástrofes juntaram-se numa só: a destruição causada pelos ventos ciclónicos e as inundações comuns da época das chuvas exponenciadas pela forte precipitação por causa da passagem da tempestade.

“Precisamos de todo o apoio logístico que conseguirmos”, disse Jens Laerke, do Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU. “Estamos a falar de um desastre de grande dimensão em que centenas de milhares – talvez milhões – foram potencialmente afectados”, acrescentou.

O Governo de Moçambique está a preparar condições para albergar 400 mil desalojados, adiantou Caroline Haga, da Cruz Vermelha Internacional. Ao mesmo tempo, as Nações Unidas, através do PAM, fazia “um pedido temporário de cerca de 40 milhões de dólares” para as primeiras respostas ao desastre, valor que “provavelmente vai aumentar por causa da segunda leva de cheias que, infelizmente, está a assolar o país”, referiu a representante do PAM em Maputo, Karin Manente, citada pelo site da ONU.

“Começámos com a distribuição de papinhas enriquecidas no centro de alojamento na cidade da Beira. Estamos a distribuir biscoitos enriquecidos às pessoas que estão isoladas e muito afectadas no distrito de Nhamatanda”, acrescentou. É exactamente em Nhamatanda que a estrada nacional número 6 está cortada pelas águas, impedindo a ligação terrestre entre a capital Maputo e a Beira, a quarta maior cidade de Moçambique.

Crianças num centro de abrigo temporário na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Os estragos na aldeia de Inhamizua, província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
A destruição provocada pelo ciclone Idai em Chiluvi, uma aldeia do distrito de Nhamatanda, no centro de Moçambique ANDRE CATUEIRA/EPA
Imagens de helicóptero mostram os estragos após a passagem do ciclone Idai na cidade da Beira, Moçambique Redes sociais/Reuters
Edifícios destruídos pelo ciclone Idai na Beira, Moçambique Redes sociais/Reuters
Os estragos na cidade da Beira, Moçambique Denis Onyodi/IFRC/EPA
Praia Nova, na cidade da Beira (Moçambique) Denis Onyodi/IFRC/EPA
Habitantes transportam os seus bens pessoais na Beira, a cidade mais afectada pela passagem do ciclone Idai em Moçambique Denis Onyodi/IFRC/EPA
Casas destruídas na Beira, Moçambique Denis Onyodi/IFRC/EPA
Habitantes de Chiluvi, uma aldeia do distrito de Nhamatanda no centro de Moçambique ANDRE CATUEIRA/EPA
Uma estrada cedeu junto à área de Miramar, na cidade da Beira (Moçambique) Denis Onyodi/IFRC/EPA
Habitantes tentam recuperar o que resta das suas casas na aldeia de Praia Nova, na cidade da Beira (Moçambique) Denis Onyodi/IFRC/EPA
Imagens aéreas da destruição em Praia Nova, Beira (Moçambique) Redes sociais/Reuters
Um carro é esmagado por um contentor na província de Sofala, no centro de Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Habitantes procuram água potável depois de o ciclone Idai ter provocado cheias na província de Sofala, no centro de Moçambique OSH ESTEY/CARE/EPA
Os escombros na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
O edifício de uma escola secundária destruído pelo ciclone Idai na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Cidade da Beira, no centro de Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Os estragos na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Crianças entre os escombros na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Habitantes estão alojados num centro de abrigo temporário na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Os estragos na aldeia de Inhamizua, província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Imagens aéreas da destruição em Praia Nova, Beira (centro de Moçambique) JOSH ESTEY/CARE/EPA
Praia Nova, Beira (centro de Moçambique) JOSH ESTEY/CARE/EPA
Habitantes em busca de água potável na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
O rasto de destruição provocado pelo ciclone Idai na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Os estragos na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Os estragos no armazém do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA
Imagens aéreas da destruição que o ciclone Idai provocou no Malawi, onde pelo menos 56 pessoas morreram e 577 ficaram feridas, segundo dados oficiais Tautvydas Juskauskas/UNICEF
O estragos na cidade de Bangula, no sul do Malawi Tautvydas Juskauskas/UNICEF
Mais de 15 mil famílias ficaram desalojadas devido às cheias provocadas pelo ciclone Idai no Malawi Tautvydas Juskauskas/UNICEF
Famílias desalojadas instalam-se num centro de abrigo temporário no Malawi Rebecca Phwitiko/UNICEF
Tendas de plástico servem de refúgio temporário aos habitantes do distrito de Chikwawa, no Sul de Moçambique Rebecca Phwitiko/UNICEF
Eneless Bernard prepara uma refeição no centro de abrigo temporário montado numa escola primária do distrito de Chikwawa, no Sul de Moçambique Rebecca Phwitiko/UNICEF
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Crianças num centro de abrigo temporário na província de Sofala, Moçambique JOSH ESTEY/CARE/EPA

A Unicef, a agência da ONU para a infância, acha que, só por si, precisa de mais 17,9 milhões de euros para lidar com a resposta à passagem do ciclone Idai por Moçambique e pelos seus países vizinhos, Zimbabwe e Malawi – neste último país terão morrido 56 pessoas. Se somarmos este número às 98 mortes já confirmadas no Zimbabwe e às mais de 200 em Moçambique, temos mais de 354 mortos causados pelos ventos fortes e as chuvas torrenciais da semana passada provocadas pelo Idai.

A União Europeia anunciou já um apoio de emergência de 3,5 milhões de euros para ajudar as populações afectadas nos três países, sendo que Portugal irá contribuir com uma parte. “Portugal procurará contribuir para o esforço de ajuda e reconstrução, quer directamente, quer através da UE e das Nações Unidas, exprimindo ao povo irmão moçambicano e a todos quantos, em particular portugueses, foram afectados por esta grande tragédia”, disse esta terça-feira o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Numa nota divulgada no site da Presidência, o chefe de Estado português refere que falou ao telefone com o seu homólogo moçambicano para “saber mais detalhes sobre os efeitos do ciclone” e o que ouviu foi “um balanço bem mais trágico e dramático do que inicialmente estimado, quer em enormes perdas de vidas humanas e de feridos, quer em destruições e perdas de bens”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, explicou esta terça-feira que o Governo está a fazer um levantamento das capacidades “para que, logo que o Governo moçambicano peça apoio, ele poder ser imediatamente prestado por Portugal”.

A Cruz Vermelha Portuguesa, por seu lado, fez um levantamento da quantidade de alimentos não perecíveis que tem nos seus armazéns para enviar para Moçambique se houver forma de os transportar e abriu uma conta solidária para que as pessoas possam doar dinheiro para ajudar as vítimas do ciclone.

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