“Pai da nação” cazaque deixa presidência mas mantém-se por perto

Primeiro e único Presidente do Cazaquistão, Nazarbaiev abandona o cargo ao fim de três décadas. Popularidade que alcançou ofuscada pela repressão sobre opositores políticos e práticas antidemocráticas.

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Nursultan Nazarbaiev EPA/IGOR KOVALENKO

Quase trinta anos depois de ter assumido e estreado o cargo de Presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbaiev apresentou esta terça-feira a sua demissão, lançando a antiga república soviética para um novo capítulo da sua História.

Numa mensagem televisiva que apanhou o país e os seus aliados de surpresa, o “pai da nação” anunciou a saída com efeitos imediatos e agradeceu à população pela “oportunidade de poder ter sido o primeiro Presidente do Cazaquistão independente”. A resistência à democratização do sistema político cazaque ofuscou uma era de reformas económicas e pacificação étnica de um país com vastos recursos minerais e uma localização estratégica na Ásia Central.

“Pusemos o Cazaquistão num local do mapa onde nunca existiu um país”, congratulou-se, na hora da despedida, o homem que em 2010 foi agraciado pelo Parlamento, controlado pelo seu partido, com o título vitalício de “Líder da Nação”. E que é referido entre a população mais dedicada como o “pai da nação” ou “papá”

Assumindo que a decisão “não foi nada fácil”, Nazarbaiev revelou que o cargo irá ser ocupado interinamente pelo actual presidente da câmara alta do Parlamento cazaque, Kassim-Jomart Tokaiev, que também já foi primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros. Uma pessoa “honesta, responsável e confiável”, sublinha o Presidente demissionário. 

O abandono do mais alto cargo político do Cazaquistão, não significa, porém, que Nazarbaiev deixará de estar envolvido nas principais tomadas de decisão políticas e estratégicas. O “Líder da Nação” continuará a presidir ao Conselho de Segurança Nacional – outro cargo vitalício que o Parlamento lhe concedeu, em Maio do ano passado – e manterá as suas funções enquanto líder do maior e mais representado partido do país, o Nur Otan.

Crítica do regime, a jornalista russa Irina Petrushova não acredita, por isso, em grandes mudanças. “Na realidade, [Nazarbaiev] não vai a lado nenhum, uma vez que ainda controla os principais centros de influência do país”, escreveu no Facebook, citada pelo portal Eurasianet.

Mesmo a escolha do nome que constará nos boletins de voto nas eleições de 2020, dificilmente não dependerá da aprovação do ex-chefe de Estado. O próprio Nazarbaiev deu a entender, no seu comunicado, que vai estar pessoalmente envolvido na escolha de um sucessor.

“A minha tarefa futura será a de apoiar a chegada ao poder de uma nova geração de líderes, que prosseguirão com as transformações em curso no país”, afiançou o dirigente político de 78 anos.

À boleia do petróleo e do gás natural

A História do Cazaquistão está intimamente ligada à da Rússia e, antes dela, da União Soviética. Tal como o percurso político de Nursultan Nazarbaiev – um político muito próximo de Vladimir Putin. 

Antes de chegar à presidência do Cazaquistão independente, em 1991, o antigo metalúrgico, formado na região da actual Ucrânia, exerceu o cargo de presidente do conselho de ministros da República Socialista Soviética Cazaque entre 1984 e 1989. Na fase decadente do regime soviético, ascendeu a primeiro secretário do Partido Comunista da república e com a implosão da URSS acabou por ser eleito primeiro Presidente de um país cheio de potencialidades económicas.

A descoberta e o investimento nas vastas reservas de petróleo e gás natural, acompanhados pela implementação de reformas económicas e estruturais, possibilitaram um crescimento acelerado ao Cazaquistão na primeira década do século, sempre em parceria com a Rússia, uma de duas potências mundiais com quem o país faz fronteira – a outra é a China –, e integrado na União Económica Euroasiática.

O bom desempenho económico do Cazaquistão foi, a par da gestão bem-sucedida do seu complexo xadrez étnico e religioso – dois terços dos 18 milhões de habitantes do país são cazaques, um quarto tem etnia russa e a religião maioritária é o islão –, a grande conquista de Nazarbaiev.

A supressão da oposição política, a alteração constante das regras do jogo para prolongar a sua estadia no poder, a envolvência de familiares e amigos na governação do país e a liderança personalista que desenvolveu ao longo de décadas, dificultam, no entanto, uma avaliação objectiva dos níveis elevados de popularidade que o “papá” alcançou.

Nazarbaiev foi reconduzido ao cargo em 1999, 2005, 2011 e 2015 – a eliminação do limite de mandatos em 2007 permitiu-lhe continuar a concorrer – em votações duramente criticadas pelos observadores internacionais, devido ao incumprimento dos princípios básicos de liberdade eleitoral, transparência e inclusão. A última eleição foi vencida por quase 98% dos votos.

Passagem de testemunho?

O desaceleramento económico registado nos últimos anos não beliscou decisivamente a autoridade de Nazarbaiev que, ainda assim, dedicou os últimos meses da sua presidência a aprovar medidas populares, como o aumento dos salários dos funcionários públicos e o investimento de milhões em infra-estruturas, escreve o Guardian

Em 2017 foram anunciadas reformas para se transferirem, para o Parlamento e Governo, alguns dos poderes que Nazarbaiev foi concentrando ao longo dos anos na presidência. Somadas à cedência do lugar a Tokaiev, pretendem oferecer um sinal de que o regime está disposto a democratizar-se. 

Mas para a especialista em questões euroasiáticas Kate Mallinson, ainda é cedo para se falar em democratização do país, principalmente porque o Presidente interino, argumenta, é um “tenente confiável e leal” de Nazarbaiev que “dificilmente se vai desviar da actual trajectória”.

“Esta espécie de fase intercalar foi planeada durante largos anos. É uma questão de se perceber durante quanto tempo pode ser sustentada e se a população a vai aceitar”, começa por dizer à Eurasianet. “Mas por enquanto, e para os próximos anos, manter-se-á tudo igual e o Presidente vai manter a sua família nas posições-chave de decisão. Formal ou informalmente”.

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