A perigosa degenerescência dos “coletes amarelos”

Se há uma primeira palavra a dizer sobre o que se repetiu ontem nas ruas de Paris é basta. Numa democracia nada justifica a pressão política através da violência, da destruição e da criação de um clima de intimidação social.

Como se gere um protesto no qual se confundem os protestos legítimos de cidadãos que se sentem abandonados pelos poderes públicos e as mais cruéis expressões de vandalismo e de destruição criminosa? A que foi anunciada como a última manifestação dos “coletes amarelos” pode dispensar uma resposta definitiva, mas, com ou sem uma cor definida, o protesto social na França de Emmanuel Macron está para continuar e com ele o crucial confronto entre a defesa do Estado de direito e o direito ao protesto. A democracia francesa vai-se assim dissolvendo nestas contradições, Macron vai perdendo credibilidade. No final do dia, quem ganhará com a mistura de manifestação com arruaça será a extrema-direita; e quem vai perder são as reivindicações legítimas dos franceses que se sentem deserdados e traídos pela República.

É por isso que se há uma primeira palavra a dizer sobre o que se repetiu ontem nas ruas de Paris é basta. Numa democracia nada justifica a pressão política através da violência, da destruição e da criação de um clima de intimidação social. Havendo ou não infiltrações do crime organizado ou de supostas milícias da extrema-direita, a única resposta que se exige aos saques ou aos incêndios de lojas ou de automóveis é através da acção policial. Ninguém tem o direito de defender as suas posições políticas destruindo o património dos outros e, ainda menos, muito menos, através da violação das regras básicas de convivência social. E se há algo que perturba na dinâmica dos genuínos “coletes amarelos” é não terem desenvolvido uma oposição feroz aos gangues ou aos manifestantes mais violentos. Não o fazendo, acabam por perder a simpatia e o apoio dos cidadãos que reconhecem a razão do seu protesto, mas recusam ver as ruas da sua capital transformadas num cenário de guerra civil.

A contaminação dos protestos com a violência retira-lhe assim toda a dimensão de cidadania e transformam-nos numa ameaça à democracia. Por muitos erros que tenha cometido, Macron foi eleito democraticamente pelos franceses, continua a dispor de uma maioria no Parlamento e não é suspeito ou acusado de ter cometido qualquer crime que imponha a sua destituição. O cenário repetido nas ruas de Paris perdeu com o tempo toda a sua natureza legítima e democrática e tornou-se um fenómeno de ataque às regras da democracia representativa através do qual alguns (por muitos milhares que sejam) pretendem impor pela força uma alternativa à única forma de representação da soberania popular aceitável: a que é conferida ao poder político pelo voto.

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