Só mais uma vez

Infelizmente somos peritos em reconhecer cassetes por causa da quantidade gigantesca de cassetes que temos de gramar todos os dias.

Não é a primeira vez que falo deste assunto. Aliás, já tive ocasião de dizer que costumo preferir falar doutros assuntos menos importantes, já que este é certamente o mais importante no momento presente.

É assim que falam figuras públicas que sabem que são ouvidas por muita gente. Se tiverem um mínimo de sensibilidade fazem questão de mostrar que estão conscientes de estarem a repetir-se.

O mais aflitivo exemplo é o “costumo dizer”. A variante mais horrenda é “eu, aliás, costumo contar uma piada irónica em que...”. É irresistível quando é acompanhada de um sorriso narcisista do tipo “eu tenho tanta graça que até eu não resisto a rir-me das minhas próprias piadas”.

Há uma versão silenciosa desta auto-homenagem que se vê quando alguém está a escrever um SMS e sorri ao ler a piadola que está a fazer. Se calhar está a sorrir para poupar o trabalho de sorrir ao destinatário: infelizmente, as piadas a que só a pessoa que as faz acha graça são as mais frequentes de todas.

Estas auto-homenagens são sempre feitas em piloto automático. A pessoa está a falar só no sentido em que está a pronunciar palavras.

Isto demonstra a falta de respeito que tem pelo público, julgando-nos incapazes de reconhecer uma cassete. Infelizmente somos peritos em reconhecer cassetes por causa da quantidade gigantesca de cassetes que temos de gramar todos os dias.

Tratam-nos como criancinhas que precisam de ser reconfortadas ouvindo sempre as mesmas histórias da carochinha, sem as quais não conseguimos adormecer. Mas adormecem-nos à mesma.

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