Fernando Negrão e a porcaria

Em 2019, é mesmo preciso explicar a várias pessoas no PSD que as pessoas LGBTI são pessoas?

Foto
Reuters/TYRONE SIU

Por Miguel Vale de Almeida, Paulo Côrte-Real, Isabel Advirta, Luísa Corvo e Margarida Lima Rego 

O líder parlamentar do PSD terá escrito ao presidente da Assembleia da República em defesa do deputado Bruno Vitorino, que num post público classificou de “porcaria” o facto de ter havido uma sessão de sensibilização sobre pessoas LGBTI numa escola do Barreiro. Também a deputada Nilza de Sena, do mesmo partido, tinha entretanto tomado a posição de que não se deve falar sobre pessoas LGBTI a crianças. 

O que aconteceu? Uma associação de jovens LGBTI (a Rede Ex Aequo) tem há bem mais de uma década um projeto que passa por deslocações a escolas de todo o país para falar – na primeira pessoa – sobre como funciona a discriminação e ajudando a desconstruir mitos e estereótipos que estão na base do bullying que existe nas escolas portuguesas. Ou seja, pessoas que vão a escolas explicar, sobretudo, que existem, contrariando os silêncios que a discriminação impõe. Depois de muitas centenas de escolas por todo o país, houve mais uma sessão.

E vale a pena frisar que o Inquérito LGBT Europeu de 2012, da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, mostra que 94% das pessoas inquiridas tinham ouvido comentários depreciativos sobre colegas por serem LGBT, tendo Portugal a maior percentagem a afirmá-los muito frequentes, a par da Polónia. Não admira por isso que a primeira campanha nacional conduzida pela CIG, sob a tutela da então secretária de Estado para os Assuntos Parlamentares e para a Igualdade, Teresa Morais (também atualmente deputada do PSD), tenha incidido precisamente sobre o bullying homofóbico e transfóbico. 

Os deputados Bruno Vitorino e Nilza de Sena poderão não estar preocupados com esta realidade, mas o PSD já esteve. Que Fernando Negrão saia em defesa do deputado Bruno Vitorino, por este ter sido alvo de uma queixa à CIG por parte de deputadas do Bloco de Esquerda, até poderá ser compreensível, porque será questionável que seja essa a resposta mais adequada a este comentário. Porém, Fernando Negrão vai bem mais longe: questiona também “a pertinência de ações” como esta junto de “crianças nesta faixa etária”. 

Sem usar o termo “porcaria”, o líder parlamentar do PSD valida, no fundo, o seu uso pelo deputado Bruno Vitorino – e adere assim à lógica russa que levou à proibição da dita “propaganda homossexual”. É que conhecemos de cor a lógica discriminatória do passado: falar de famílias com casais de sexo diferente seria “conversa de sala”, enquanto falar de pessoas LGBTI ou de famílias com casais do mesmo sexo passaria a ser “conversa de quarto”. Em 2019, é mesmo preciso explicar a várias pessoas no PSD que as pessoas LGBTI são pessoas? E que o trabalho de educação para a cidadania passa por dar a conhecer a diversidade de pessoas que são alvo de discriminação, incluindo as pessoas LGBTI? E que a “porcaria” estará apenas nas cabeças de quem a imagina?

Fernando Negrão é líder parlamentar de um partido que contribuiu de resto, no passado, para aprovar a proibição constitucional da discriminação em função da orientação sexual. Não pode, por isso, ignorar que existem pessoas LGBTI em qualquer escola – e provavelmente em qualquer turma; e também que existem, por sinal, crianças de todas as idades a serem educadas por pessoas LGBTI. Não há por isso uma idade para se falar a crianças sobre a existência de pessoas LGBTI, todas as crianças deveriam sabê-lo – e aprender a recusar o insulto e a discriminação. É que a ideia é simples e julgamos que Fernando Negrão a apreenderá agora: não há idades para se falar do assunto, quando o assunto é a existência de pessoas. 

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários