A azia anti-lusófona

Há portugueses que não gostam nada que os angolanos (e os demais povos de língua portuguesa) gostem, em geral, tanto de nós.

É algo que se repete sempre, de forma mais do que previsível, mas é também algo que sempre nos consegue espantar, tal a sua bizarria. Falamos de algumas reacções ao impacto que teve a recente visita do nosso Presidente da República, Marcelo de Rebelo de Sousa, a Angola.

Atribuem alguns a razão maior de tal impacto à personalidade singular (especialmente simpática) do nosso Presidente da República mas isso não corresponde, senão de forma residual, à verdade. O anterior Presidente, Aníbal Cavaco Silva, tinha (e tem), como todos sabemos, uma personalidade bem diferente a esse nível e nem por isso deixou de ter um impacto análogo a sua visita oficial, em 2010.

Quanto muito, podemos dizer que a personalidade singular do nosso Presidente da República aumentou ainda mais esse impacto que à partida seria sempre grande. E que certos aspectos conjunturais também ajudaram: em particular, o fim do (“irritante”) processo judicial a Manuel Vicente e o início (auspicioso) da Presidência de João Lourenço.

Mas nada disso muda o essencial: a relação entre os angolanos e os portugueses é, em geral, uma relação de fraternidade (como Marcelo Rebelo de Sousa muito bem salientou). E que, de resto, não se confina à relação entre Portugal e Angola, mas se estende, (mais ou menos) na mesma medida, a todos os demais povos de língua portuguesa, mesmo em conjunturas não particularmente favoráveis, como Marcelo Rebelo de Sousa reiterou no início do ano, no Brasil.

Há portugueses que, manifestamente, não gostam disso. Com toda a crueza: há portugueses que não gostam nada que os angolanos (e os demais povos de língua portuguesa) gostem, em geral, tanto de nós. Ainda que nunca o digam de forma clara, consideram que isso denota uma descolonização não inteiramente cumprida. Esse paternalismo já se tinha também manifestado, em todo o seu esplendor, em comentários a propósito das manifestações de regozijo, por todo o mundo lusófono, pela vitória de Portugal no Europeu de Futebol.

Importa dizer que os nossos media também têm, em geral, promovido esse complexo. Há sempre um indisfarçável mal-estar em dar conta dessas manifestações espontâneas de fraternidade lusófona, como se isso fosse uma excrescência de um passado que importasse enterrar de vez (e não, sobretudo, como o sinal de um futuro ainda por cumprir). Isto para além de todos os episódios menores que os nossos “media” gostam, em geral, de empolar. Também neste ponto, esteve o nosso Presidente da República particularmente bem – nas suas lapidares palavas: “a diferença entre um político e um estadista é que o político prende-se aos irritantes e aos insignificantes e o estadista olha para os importantes”. Para azar da azia…

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