A verdade que o aumento histórico das exportações de vinho português não revela

As exportações de vinho português alcançaram um resultado histórico em 2018, ao ultrapassarem os 800 milhões de euros. Mas a realidade crua por trás desta boa notícia mostra-nos um país com um peso quase insignificante no negócio mundial e a insistir no erro de querer vender muito e barato.

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Paulo Ricca

Em 2018, Portugal exportou cerca de três milhões de hectolitros de vinho, que renderam 803 milhões de euros. O resultado é histórico e tanto a Viniportugal (a entidade que faz a promoção externa) como a tutela do sector viram nestes números a confirmação de que o vinho português está em alta e a impor-se no mundo. Mas uma análise mais fina dos dados mostra uma outra realidade. Na verdade, não há muitas razões para festejar

Sim, Portugal vendeu mais vinho em 2018. O país é o 11.º maior produtor de vinho do mundo e o 8.º maior exportador. Desde 2010, as nossas exportações subiram 11% em volume e 31% em valor. Esta é a verdadeira boa notícia. Mas que tipo de vinho vende Portugal? Vinho barato, sobretudo. O preço médio do vinho português exportado no último ano foi de 2,71 euros o litro, bem abaixo do preço médio mundial, que é de cerca de 4 euros. Em relação a 2017, o vinho português valorizou cerca de 10 cêntimos. Melhor do que nada, mas, ainda assim, muito pouco face à qualidade geral do vinho português e às baixas produções por hectare. Só para se ter uma ideia do que está em causa: a Alemanha tem uma produção média de 103 hectolitros por hectare, a África do Sul produz 73 hectolitros, a Argentina 65 e a Itália 55; Portugal, por sua vez, produz apenas 23 hectolitros por hectare, menos de metade da produção média mundial, que é de 50 hectolitros por hectare.

Tal como acontece com o azeite, exportamos muito vinho mas também importamos muito. Em 2018, foram dois milhões de hectolitros, a um preço de 0,78 euros o litro. O grosso das importações foi de vinho a granel. Ou seja, basicamente, exportamos bom e barato e bebemos barato e mau.

O negócio do granel é, de resto, uma das grandes ameaças ao vinho português. Quando se julgava que a venda de vinho engarrafado na origem era uma conquista consagrada, eis que o fantasma do granel volta a assombrar os mercados. O negócio está de tal modo em alta que já há várias feiras mundiais dedicadas à compra e venda de vinho a granel. A maior está agendada para o final de Maio, em Yantai, na China.

Actualmente, 40% de todo o vinho exportado mundialmente é a granel. Há razões ambientais por trás deste fenómeno: engarrafando no destino, é possível reduzir um pouco a pegada ecológica do vinho. Mas a causa principal tem mesmo a ver com a concorrência e a pressão das grandes cadeias de distribuição, que apostam cada vez mais em marcas próprias e em preços mais baixos para combater as marcas mais populares do mundo. A perversão das grandes cadeias é total: não só esmagam os preços dos produtores como ainda criam marcas para concorrer directamente com eles. Algumas são autênticas cópias. Em Portugal, esta tendência também está em crescendo.

O mercado do Reino Unido, como principal montra do negócio mundial do vinho e segundo maior mercado (o primeiro é os Estados Unidos e é também o mercado com mais potencial para os vinhos portugueses), é um bom espelho do que está a acontecer. Os supermercados são responsáveis por 72% das vendas de vinhos e 36% das importações de vinho correspondem a vinho a granel. Do total do vinho vendido no Reino Unido, cerca de 43% não passa das cinco libras. Apenas 3% atinge ou ultrapassa as dez libras.

No negócio do vinho nos supermercados ingleses, Portugal detém uma quota de 0,7%. É o 11.º com maior volume. Vende cerca de 550 mil caixas (de 12 garrafas), a um preço médio de 5,39 libras cada garrafa, um nadinha abaixo da média do Reino Unido, que é de 5,57 libras. Com a libra a valer 1,16 euros (cotação da passada quarta-feira), dá um valor por garrafa de 6,24 euros. Quem desdenharia de um preço destes? O problema surge quando analisamos a estrutura deste preço e constamos que, numa garrafa vendida a 5 libras, cerca de 4 libras correspondem a taxas, IVA e margem do retalhista, sobrando apenas uma libra para o vinho, o packaging e o transporte.

O grosso do vinho português vendido dos supermercados britânicos é rosé (61% ). Deste bolo, a marca Mateus Rosé, da Sogrape, tem uma fatia de 39%. Cada garrafa custa entre 5 e 5,25 libras. A seguir ao Mateus Rosé, a marca portuguesa com maior quota nos supermercados britânicos (9%) é o vinho Porta 6, da Vidigal Wines (região de Lisboa), um verdadeiro caso de estudo, pela forma rápida como se tem imposto naquele mercado e pelo preço a que é vendido: 8,29 libras.

Trata-se de um preço extraordinário, sobretudo se o compararmos com o preço dos vinhos do Douro mais vendidos no Reino Unido pelas cadeias Aldi e Lidl. A segunda vende o vinho Azinhaga de Ouro Reserva (da empresa Christies) a 5,99 libras; e a primeira vende o Animus Douro (do enólogo e comerciante de vinhos Vicente Faria, ex-Aveleda), a 4,99 euros. Com a quebra de produção de 2017 no Douro e o aumento do preço do vinho a granel, o Animus Douro tornou-se inviável e, já este ano, a cadeia Aldi passou a vender Animus feito com vinho a granel de outras regiões do país, já sem a designação Douro.

As conclusões de tudo isto são fáceis de tirar. A primeira é a de que Portugal ainda conta muito pouco no negócio mundial do vinho. A segunda é ainda pior: o país continua demasiado focado nos vinhos de baixo preço, concorrendo num segmento onde há concorrentes mais poderosos e com muitos mais argumentos comerciais. Mas a conclusão principal tem também algo de desafio: face às tendências mundiais, de redução do consumo e aumento do negócio do granel, Portugal só pode aspirar a ser bem-sucedido se esquecer o volume e apostar na qualidade e no valor cultural associado ao vinho, tirando partido da história e diversidade do país e do seu extraordinário património de castas. Não é preciso saber muito de economia para perceber que vender menos e melhor pode ser muito mais rentável do que vender muito e mal.

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