Para quê ir à escola se não haverá futuro?

Esta é uma enorme lição de responsabilidade que estes jovens estão a dar perante a irresponsabilidade de uma elite mundial que lhes falha, agarrada à ideia de que o planeta é apenas seu.

Lembro-me da primeira vez que participei numa greve. Tinha 13 anos, estava no 7.º ano e juntei-me à luta contra a Prova Geral de Acesso (PGA). Da minha turma, apenas eu e um amigo decidimos faltar às aulas naquele dia. A conversa de que éramos demasiado novos e que a PGA só se aplicava no final do secundário pressionou o resto dos colegas para aulas. Ficámos dois miúdos no meio dos graúdos, porque era assim que víamos e éramos vistos entre os alunos mais velhos. Faltava-nos tamanho, mas não a convicção.

Pouco tempo depois chamavam rasca à minha geração e desprezavam as nossas aspirações a um ensino de qualidade, sem propinas. Foi outra fase da criação da consciência política e de um ativismo juvenil e estudantil marcante. Este ativismo, que muitos desejam do passado, regenera-se nos dias que correm, numa prova de vitalidade inspiradora.

O futuro é dos mais jovens. Frase batida e que tresanda a paternalismo. Tipicamente associada à ideia que o presente ainda não é deles, que a sua vez virá mas ainda não chegou, que não são para ter em conta nas decisões que verdadeiramente importam. Ora, os jovens de hoje não batem à porta à espera que lhes permitam a entrada, já cá estão. E ainda bem, o presente também é deles.

A marcação de uma greve estudantil climática é um marco extraordinário na afirmação dos jovens como atores políticos e sociais indispensáveis. Mais do que isso, são quem está a colocar no centro o que é verdadeiramente indispensável: uma reflexão sobre o nosso modelo de sociedade e sobre a urgência de o tornar sustentável.

A greve estudantil climática é, em primeiro lugar, um enorme exemplo de internacionalismo. Baseia-se no exemplo de uma jovem sueca de 15 anos, Greta Thunberg, que se manifestou solitariamente em frente ao Parlamento do seu país durante três semanas, em período pré-eleitoral. Todos os dias esta jovem exigiu ao seu primeiro-ministro que tomasse medidas urgentes para diminuir o aquecimento global. De uma afirmação solitária, esta iniciativa foi juntando outros jovens e tornou-se viral. A hashtag #ClimateStrike é a identificação de uma luta internacional e que convoca os estudantes para as ruas no dia de hoje.

À voz do senso comum que diz aos jovens para estudar, que está aí a chave do seu futuro, a resposta deste movimento é brutal: “para quê estudar para um futuro que talvez nunca aconteça quando ninguém faz nada para o preservar?” Apelar à responsabilidade dos estudantes e jovens quando, enquanto sociedade, não assumimos a responsabilidade de garantir que o planeta tem futuro é cinismo, bem demonstrado na pergunta formulada.

Os jovens são mais de metade da população global e a herança que têm para enfrentar é a de uma crise climática com que terão de lidar para o resto das suas vidas. Silenciados, ignorados, desvalorizados, são quem vai sofrer com a falta de coragem para enfrentar as alterações climáticas que os líderes mundiais têm demonstrado. Dizem, e bem, que são “o futuro sem voz da humanidade”.

Um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que não estamos a fazer o suficiente para responder à crise climática: “os avanços são demasiado lentos para alcançar as metas ou inclusivamente progride-se num sentido errado. A persistirem as emissões de gases de estufa, a temperatura média mundial continuará a aumentar (...) e superará entre 2030 e 2052 a meta do Acordo de Paris.”

A conclusão desse estudo é clara: “a janela está a fechar-se rapidamente. É necessário adotar medidas urgentes numa escala sem precedentes para deter e reverter esta situação e proteger assim a saúde humana e ambiental.”

Cuidar do que é de todos, para garantir que há um futuro. Colocar a sustentabilidade ambiental à frente do lucro e da exploração. Exigir ação à escala global para responder à crise climática. Esta é uma enorme lição de responsabilidade que estes jovens estão a dar perante a irresponsabilidade de uma elite mundial que lhes falha, agarrada à ideia de que o planeta é apenas seu.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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