Administrador demissionário recusa “situação dramática” no Hospital de Leiria

O presidente do conselho de administração recusa situações de exaustão entre os profissionais. Mas admite problemas na urgência. Presidente da comissão de saúde irritou-se com administrador demissionário por não estar a responder às questões.

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JOAQUIM DAMASO

O presidente demissionário do conselho de administração do Centro Hospitalar de Leiria admitiu a existência de fragilidades na urgência, mas recusou a ideia de que o hospital de Leiria viva uma situação dramática e caótica. Hélder Roque foi ouvido na comissão de saúde na sequência de um requerimento do PS, após notícias de que os chefes das equipas de urgência apresentaram demissão.

A audição ficou marcada pela chamada de atenção do presidente da comissão parlamentar, o social-democrata Matos Rosa, ao administrador depois de este ter acusado o deputado do BE Heitor de Sousa o ter ofendido. O bloquista lembrou que o partido esteve reunido com o conselho de administração e que nessa visita não lhes foi transmitida a situação real do hospital.

“Nunca nos foi dito que a situação era tão dramática como viemos a descobrir. No dia seguinte [à visita] ficámos a saber que 159 profissionais médicos assinaram declarações de responsabilidade e que o doutor Hélder Roque corroborava e apresentava demissão. Pretendeu omitir a situação que é grave. Mais depressa se apanha um mentiroso do que uma pessoa com problemas de locomoção”, afirmou o bloquista Heitor de Sousa.

“Registo a ofensa pessoal”, afirmou o presidente demissionário do conselho de administração (CA) do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), depois de uma longa introdução com o retrato da unidade.

A situação levou o presidente da comissão de saúde a irritar-se. “Não admito esse campo. Ninguém o ofendeu e não põe isso em cima da mesa. Faça o favor de responder às perguntas dos deputados. Tem obrigação de responder às questões colocadas por respeito aos deputados e aos leirienses”, afirmou Matos Rosa.

Médicos exaustos

Na sequência de várias noticias dando conta de problemas nas urgências e das audições, já esta semana, da Ordem dos Médicos e do Sindicato Independente dos Médicos, referindo profissionais exaustos, a sair da unidade e más condições de trabalho, os deputados quiseram saber o que está a ser feito para resolver a situação e se os problemas foram denunciados ao Ministério da Saúde.

Depois de passar um vídeo promocional sobre o CHL, Hélder Roque afirmou que o hospital “é altamente diferenciado, tecnologicamente evoluído, com grau complexidade no que faz”. Um percurso positivo que começou a enfrentar dificuldades a partir de 2011, com alterações legislativas que limitaram a contratação de profissionais, o recurso a prestações de serviço e investimento.

“Temos o internamento a funcionar correctamente, os meios complementares de diagnóstico a funcionar, não temos problemas atendimento doentes. Temos problemas sim na urgência com médicos de medicina interna”, disse Hélder Roque. “Não confirmamos uma situação dramática e não confirmo as 156 declarações de responsabilidade. São 40 médicos de medicina interna, metade recém-especialistas e metade internos da especialidade. Não omiti nada. Não era previsível esta situação, pensava que estava controlada”, disse o administrador demissionário em resposta ao BE.

Hélder Roque disse ainda não acompanhar a denúncia de exaustão dos profissionais. “Não exigimos que façam as 200 horas extraordinárias [prevista na lei por ano]. Não vejo onde esteja a exaustão”, afirmou, recusando que tenham saído 12 a 14 médicos de medicina interna. “Temos vindo a crescer em recursos humanos, mas não chega para o que precisamos”, acabou reconhecer.

Perante o retrato traçado, os deputados perguntaram o que levou então Hélder Roque a demitir-se. Inicialmente não se demonstrou disponível para esclarecer, o que levou mais uma vez o presidente da comissão de saúde a lembrar que estava no Parlamento para esclarecer a situação. “As razões que me levaram a esta situação é que são 14 anos a puxar pelo hospital. Esta situação que foi criada incomodou-me de sobremaneira. Senti-me só nesta luta para defender o Hospital de Leiria”, acabou por dizer.

Sobre medidas para solucionar os problemas das urgências, Hélder Roque salientou que já “aliviaria” a pressão se os doentes de Ourém vindos via INEM fossem para o Centro Hospitalar Médio Tejo, assim como se os 40% de utentes que não são verdadeiras urgências pudessem ser atendidos nos centros de saúde em vez de no hospital. “Vamos reforçar o internamento e estamos a pedir a todos os serviços para dar apoio à urgência”, revelou, adiantando que também estão a trabalhar com os centros de saúde para que abram mais consultas do dia de forma a que a procura pelas urgências seja menor.

Ministra admite falta de meios

A ministra da Saúde reconheceu a existência de problemas na urgência do Hospital de Leiria e que o reforço de recursos humanos não foi suficiente para o aumento da área de abrangência. O CHL passou de cerca de 300 mil habitantes para 400 mil. Ouvida a pedido do PSD sobre o tema, Marta Temido assegurou que o ministério está a acompanhar a situação.

“No início de Fevereiro interpelamos directamente o presidente do conselho de administração e a Administração Regional de Saúde do Centro, solicitando o ponto da situação e de diligencias efectuadas para ultrapassar os problemas tornados públicos”, afirmou Marta Temido. A ministra reconheceu que o hospital “tem tido problemas complexos nos últimos tempos em relação ao serviço de urgência”.

Falando de “dores de crescimento” provocadas pelo aumento de diferenciação do hospital feito nos últimos anos e do alargamento da área de influência, a ministra admitiu que, “apesar de ter sido acompanhado por algum reforço de meios, não terá sido o reforço suficiente para o esforço da resposta”. 

Marta Temido adiantou que o ministério tem feito várias reuniões quer com a administração do hospital quer com a administração regional de saúde e que estão em marcha várias medidas para tentar solucionar os problemas do hospital. 

“Está a ser feito um estudo do alargamento da área de influência, um reforço da gestão clínica com maior acompanhamento da tutela, temos muita preocupação com a medicina interna e com o reforço da capacidade de internamento da medicina interna. Estamos em crer que a atractividade do hospital se irá alterar caso consigamos alterar as suas condições”, afirmou Marta Temido. Apenas 50% das vagas para recém-especialistas abertas nos últimos três anos foram preenchidas.

Sobre os motivos apresentado por Hélder Roque para apresentar demissão, a ministra explicou que os motivos invocados foram a falta de condições para exercer as suas funções. “O que nos preocupa é resolver, em primeira linha, os problemas apontados no serviço de urgência. A situação da demissão ficará para um segundo momento e estamos a ainda a reflectir sobre ela”, disse.

"Os hospitais não têm autonomia"

O ministério foi questionado sobre a atribuição de autonomia de gestão do CHL – que faz parte das 11 unidades que este ano passam a ter um novo modelo de financiamento mais ajustado às necessidades e com maior autonomia de gestão. O secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos, afirmou que no campo da autonomia houve um retrocesso de meio século.

“Os hospitais não têm autonomia nenhuma. Isso é incomportável e incompatível com boa gestão dos serviços. O que se desenhou no final do ano passado foi o regresso a essa autonomia”, disse, referindo que os planos estão a ser desenhados pelos ministérios da Saúde e das Finanças. 

Com a aprovação destes planos de actividades, “os hospitais ganham capacidade para fazer substituições de recursos humanos, ganham capacidade para fazer recrutamento dentro do mapa de pessoal autorizado e também ficam aprovados os orçamentos a executar no ano para planos de investimentos. Há 15 anos estivemos perto deste modelo que funcionou bem em muitos hospitais. É esse caminho que queremos retomar”, acrescentou.

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