Miguel Honrado entra para a administração do Centro Cultural de Belém

O ex-secretário de Estado da Cultura substitui Luísa Taveira, que sai a seu pedido. Elísio Summavielle e Isabel Cordeiro mantêm-se na administração.

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Miguel Honrado foi secretário de Estado da Cultura até Outubro do ano passado Rui Gaudencio

Miguel Honrado, que até Outubro foi secretário de Estado da Cultura, é o novo vogal da administração do Centro Cultural de Belém (CCB), confirmou o PÚBLICO junto da tutela. O despacho de nomeação datado desta sexta-feira oficializa a entrada do gestor cultural para aquele órgão, que continuará a ser presidido por Elísio Summavielle, nomeado em Fevereiro de 2016 pelo então ministro da Cultura João Soares, e agora reconduzido no cargo, tal como a vogal Isabel Cordeiro.

“É entendimento do Ministério da Cultura [MC] que a escolha de Miguel Honrado, pelo seu percurso e experiência profissional, constitui uma mais-valia para o CCB”, indica o gabinete da ministra Graça Fonseca em nota enviada ao PÚBLICO. O novo administrador entra para o CCB em substituição de Luísa Taveira (que cessa funções “a seu pedido”, sublinha o MC) e deverá ter a seu cargo a área da programação, ainda que a definição das “suas funções específicas enquanto vogal” caiba ao reconduzido presidente do conselho de administração. Ao PÚBLICO, Miguel Honrado diz que entra para a equipa com a expectativa de que o CCB consiga retomar o lugar central que já foi seu no tecido cultural de Lisboa: “O CCB passou por algumas vicissitudes em termos daquilo que devia ser a definição e a objectivação da sua missão. Nos últimos três anos, com o novo conselho de administração e com Luísa Taveira, fez-se um trabalho de repor o CCB na rota dos grandes pólos culturais da cidade.”

O antigo secretário de Estado e programador cultural fala de uma década perdida no CCB, visando particularmente o período presidido por António Lamas, gestor cultural que chegou a Belém vindo da Parques de Sintra-Monte da Lua, a empresa pública responsável pela Paisagem Cultural de Sintra. “Nessa altura, houve uma derivação total do que era a missão inicial do CCB, que sempre foi considerado um centro cultural. António Lamas tentou que o CCB fosse uma espécie de centro de gestão de uma rede de equipamentos da zona de Belém-Ajuda que iria estar sob a sua orientação.”

Lamas foi nomeado para a presidência do CCB em 2014, na sequência da morte de Vasco Graça Moura. Acabou demitido em 2016 pelo então ministro João Soares, no meio de uma polémica à volta da criação de um plano estratégico para o eixo Belém-Ajuda, que tinha como objectivo gerir conjuntamente vários museus e outros equipamentos desta zona monumental de Lisboa.

Nessa altura, João Soares pôs Elísio Summavielle a chefiar o CCB, presidindo a uma equipa que já contava com a historiadora Isabel Cordeiro e a que viria a juntar-se meses depois Luísa Taveira; os três compuseram até esta sexta-feira o conselho de administração.

A expectativa de Miguel Honrado “é reconduzir o CCB, enquanto centro cultural, a um lugar de referência”. “O último conselho de administração fez o tal trabalho invisível da retoma da missão do CCB e agora estão reunidas as condições para se começar a consolidar um trabalho que faça novamente do CCB uma referência a nível da cidade, do país e também internacional.”

Da gestão cultural ao Governo (e ao desgaste)

Honrado chega ao CCB praticamente um ano depois do pico de contestação que caracterizou a fase final do seu mandato enquanto secretário de Estado do ministro Luís Filipe Castro Mendes. O polémico modelo de apoio às artes em que se empenhou pessoalmente, e com que quis refundar a relação do Estado com o tecido artístico, foi generalizadamente criticado pelos sucessivos atrasos com que chegou ao terreno. Assim que os primeiros concursos começaram a produzir resultados, afastando do financiamento público criadores e companhias com carreiras consolidadas, a crispação subiu de tom, com protestos na rua e críticas à esquerda e à direita na Assembleia da República. Perante as insistentes exigências de demissão de Miguel Honrado, António Costa foi obrigado a chamar a si a gestão do processo e a reforçar mais do que uma vez a dotação orçamental dos concursos.

Embora tenha saído muito desgastado do processo, Honrado manteve-se no cargo até à remodelação governamental de Outubro do ano passado. As funções que agora assumirá permitir-lhe-ão retomar, agora fora do Palácio da Ajuda, um percurso de gestor cultural iniciado em 1989 e que inclui passagens pelas equipas de programação do Festival Europália (1991), da representação portuguesa na Exposição Universal de Sevilha (1992) e de Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura. Miguel Honrado viria depois a coordenar o Departamento de Dança do antigo Instituto Português das Artes do Espectáculo, onde esteve até 2002, e, anos mais tarde, a presidir à EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa desde 2007, já com António Costa na Câmara de Lisboa. Dali saiu, em 2014, para a presidência do conselho de administração do Teatro Nacional D. Maria II, lugar que ocupava quando foi chamado ao Governo. Pelo meio, ainda rumou a Viseu, onde assumiu a direcção artística do Teatro Viriato, considerado um caso pioneiro de descentralização cultural, entre 2003 e 2006.

É justamente a boa memória desse período à frente de um teatro à partida periférico, mas que conseguiu inscrever-se no mapa cultural do país, que o encenador Jorge Silva Melo agora evoca, aplaudindo a nomeação de Miguel Honrado: “Parece uma excelente escolha para um lugar que tem perdido importância. E é o tipo de trabalho que o Miguel fez muito bem em Viseu. Que Talma [a arte do teatro], os deuses e [Mário] Centeno lhe obedeçam!”, disse ao PÚBLICO o director da companhia de teatro Artistas Unidos. Satisfeito com a escolha está também o programador António Pinto Ribeiro: “Acho bem. Tem o perfil ideal para o cargo”, comentou ao PÚBLICO mesmo antes de embarcar num avião. 

Já Cíntia Gil, directora do festival DocLisboa, fica na expectativa e recomenda a Miguel Honrado “coragem e sentido estratégico”. Lembra o embate que teve com o então secretário de Estado enquanto membro da Plataforma do Cinema, que reúne programadores, produtores e realizadores, a propósito das regras para o financiamento público daquela actividade, outra das polémicas do mandato de Honrado. “Acredito que terá coisas a fazer, mas saiu com mácula depois da sua experiência como secretário de Estado.”

Também Bruno Bravo, que há um ano, no auge da contestação, integrou a delegação de artistas recebida pelo primeiro-ministro no Palácio de São Bento, admite que a conturbada passagem de Miguel Honrado pela Secretaria de Estado da Cultura não o impede de “poder fazer um trabalho muito competente e muito sério no CCB”, e de contribuir para que este possa recuperar a “programação mais aberta e mais plural” que noutros tempos já teve. “São funções completamente diferentes”, ressalva o director dos Primeiros Sintomas, uma das companhias excluídas nos polémicos concursos de 2018. Ainda assim, Bruno Bravo recorda que “Miguel Honrado deu a cara por uma política cultural que não se cumpriu” e que, “nesse processo, perdeu a confiança política de uma parte do tecido artístico"; esta nomeação, diz, “é sinal de que, apesar de tudo o que aconteceu, o Governo a mantém”.

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