Escolas com autonomia cumprem menos de 40% das metas que elas próprias traçam

Tribunal de Contas defende que Governo deve avaliar a manutenção destes contratos, face a vários problemas que são detectados numa auditoria.

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Nelson Garrido

As escolas que assinaram contratos de autonomia com o Governo comprometeram-se com metas de redução do abandono escolar e melhoria dos resultados dos seus alunos, em troca de maior independência. Mas menos de 40% desses objectivos foram cumpridos, revela o Tribunal de Contas (TdC) numa auditoria. O relatório da mesma é publicado nesta quinta-feira. Em pouco mais de uma década, mais de 200 estabelecimentos de ensino aderiram a estes acordos.

São as próprias escolas que se comprometeram com o Governo com estas metas, no momento da assinatura dos contratos. Os acordos de autonomia integram dois tipos de objectivos: os “objectivos operacionais gerais”, que definem números para a redução do abandono escolar e melhoria do sucesso; e os “objectivos operacionais específicos”, que integram, por exemplo, as estratégias pedagógicas que cada escola desenvolve.

Mais de 75% dos objectivos específicos “não são mensuráveis nem têm metas associadas”, lê-se na auditoria. Este é apenas um dos vários problemas identificados pelo TdC. As conclusões apresentadas são baseadas numa análise do grau de cumprimento dos objectivos que são mensuráveis. E, de acordo com o relatório, apenas 38% dos objectivos específicos foram cumpridos na íntegra. Os objectivos gerais têm uma taxa de cumprimento semelhante: 36%.

Segundo o TdC, as escolas são melhores a atacar os problemas do abandono escolar do que a melhorar os resultados dos alunos. Quase dois terços (64%) das metas relacionadas com o abandono foram cumpridas na íntegra, ao passo que apenas 32% dos objectivos relacionados com sucesso escolar foram atingidos. Esta análise tem por base uma amostra de 30 contratos de autonomia (14% do total).

Face ao grau de ineficácia dos contratos de autonomia que é verificado pelo TdC, o tribunal vai mesmo ao ponto de aconselhar o Ministério da Educação a ponderar se deve manter este modelo em funcionamento. “Caso se entenda manter o modelo actual dos contratos de autonomia”, a tutela deve “rever o regime jurídico” existente para tornar mais efectivos os instrumentos de controlo e avaliação destes contratos e ainda rever todos os acordos em vigor, “em particular no que respeita aos objectivos operacionais”.

Faltam acções correctivas

A avaliação dos contratos de autonomia já estava a ser preparada pelo Ministério da Educação que, em 2016, criou a Equipa de Projecto dos Contratos de Autonomia das Escolas, com vários elementos dos diferentes serviços do ministério. A intenção é adaptar os acordos existentes desde 2008 ao novo regime de autonomia e flexibilidade curricular sobre o qual o Governo legislou no ano passado.

“Todas as escolas apresentam objectivos operacionais não atingidos, mas não foram adoptadas quaisquer acções correctivas”, sublinha o TdC. “Não obstante as deficiências e insuficiências identificadas, todos os contratos foram objecto de homologação pelo membro do Governo competente”, lê-se ainda no relatório.

Os contratos de autonomia são assinados entre o Ministério da Educação e as escolas rede pública – na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. Os acordos podem ainda envolver outros parceiros da comunidade escolar como autarquias. A intenção é dar maior autonomia pedagógica, curricular, administrativa e cultural às escolas.

As primeiras referências à autonomia das escolas foram incluídas na Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986. O regime vigente data de 2008. Foram então assinados cerca de duas dezenas de contratos de autonomia. No ano passado, estavam em vigor 212, que correspondem a cerca de um quarto das escolas e agrupamentos públicos.

O Ministério da Educação não exerceu o seu direito de contraditório às conclusões que lhe foram apresentadas pelo TdC. A resposta à auditoria foi dada pela Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC), que é a entidade pública responsável pelo acompanhamento das escolas que adoptaram estes acordos.

A IGEC justifica que o número de objectivos definidos em cada contrato é “elevado" – em média, são estabelecidos 18 metas em cada escola –, sendo estes “genéricos e inadequados”. Uma avaliação que coincide com a que é feita pelo TdC reconhece no documento. Esta realidade “sempre condicionou fortemente o processo de avaliação realizado pela IGEC, designadamente a mensurabilidade dos mesmos”, defende aquele organismo.

Segundo o TdC, entre as “deficiências e insuficiências” dos contratos de autonomia estão o facto de estes pretenderem responder a objectivos específicos que deviam ser mensuráveis. Contudo, “todos os contratos” têm indicadores em falta e há ainda “situações de não identificação dos valores de partida” o que torna a avaliação das metas difícil.

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