Educação financeira enquanto caminho para a autoproteção

Decidimos investir, e temo-lo feito constantemente nos últimos 13 anos, em programas de educação financeira no sentido de tornar conscientes as decisões de consumo.

Quando falamos de endividamento no setor do crédito ao consumo achamos importante distinguir três realidades: endividamento é o conjunto das responsabilidades, das dívidas que cada um de nós tem no sistema financeiro e depois o valor agregado das responsabilidades de todos os portugueses. Incumprimento é quando não é possível pagar as prestações assumidas e o sobre-endividamento prende-se já com as causas que levam a esse incumprimento. Fazemos esta distinção porque aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos anos é que, por vezes, há uma confusão na utilização de conceitos.

Quando analisamos o endividamento das famílias estamos a falar de crédito ao consumo e de crédito habitação entre 2009 e 2018. Aquilo que se destaca dos últimos dados do Banco de Portugal é a quebra acumulada nos dois tipos de crédito de cerca de 18% nestes últimos nove anos. Esta quebra na concessão e no endividamento é mais significativa no crédito ao consumo até porque é mais fácil, porque estamos a falar de crédito de curto prazo, haver adaptação e reação das carteiras mais rapidamente num contexto de crise, que foi o que aconteceu em Portugal.

Sabemos que existe evolução positiva, mas é importante salientar que, apesar desta recuperação do crédito ao consumo, os valores estão muito abaixo dos valores que se registaram no pico antes da crise financeira. E, portanto, estamos a falar de valores que estão ainda 48% abaixo da produção de 2009.

Nos dados da ASFAC relativos ao crédito automóvel, entre o segundo trimestre e o terceiro trimestre de 2018, começamos já a notar um abrandamento na concessão de crédito automóvel para viaturas usadas e viaturas novas. Em termos de peso no endividamento total, o crédito habitação representa 78% desse endividamento e o crédito ao consumo representa os restantes 22% e isso deve-se a um fator que não podemos ignorar e que parece muito importante para caracterizar o endividamento em Portugal, que é a ausência de um verdadeiro mercado de arrendamento imobiliário competitivo. Estes dados dizem-nos que a quebra entre 1960 e 2011 passou de um nível de arrendamento das famílias de 60% para um nível de 26%. Contribuiu para estes valores este peso do endividamento do crédito à habitação no endividamento das famílias, que quando comparamos com outras geografias seria o equivalente às rendas. Outro aspeto também importante é que continua a ser, no dia de hoje, mais barato comprar uma casa, contrair um empréstimo para uma habitação própria do que arrendar. 

Relativamente ao incumprimento, e quanto a esta evolução em Portugal, aquilo que nos apraz dizer é que nos últimos cinco anos, entre 2013 e 2018, o incumprimento tem de forma contínua e sustentada vindo a diminuir. E no crédito ao consumo diminuiu nos últimos cinco anos cerca de 28%, sinal das lições aprendidas com a crise financeira, quer por parte das instituições de crédito, quer por parte dos consumidores, e de toda uma conjuntura de literacia financeira que permitem tomadas de crédito conscientes na decisão de endividamento.

De assinalar, também relativamente ao endividamento, que estamos a viver a realidade mais positiva dos últimos anos porque o nível de endividamento das famílias em percentagem do PIB e do rendimento disponível nunca foi tão baixo como é neste momento, já que representa em percentagem do PIB 71,22%.

Este crescimento, acompanhado de um rácio historicamente baixo de endividamento face ao PIB, justifica-se, na nossa opinião, pela recuperação económica que fez com que houvesse também recuperação ao nível dos pedidos da contratação de crédito e, por outro lado, de um aumento do reforço da confiança dos portugueses pós-crise financeira nas instituições de crédito portuguesas. Por outro lado, as instituições financeiras também aprenderam lições com a crise e melhoraram, reforçaram os seus procedimentos de avaliação de análise de risco de crédito e, hoje em dia, para termos uma ideia, a taxa de recusa dos pedidos de financiamento é superior a 50%.

Em 2005, e num contexto de crescimento económico pré-crise, a realidade dizia-nos que dar aos consumidores cada vez mais informação escrita pré-contratual e contratual com o objetivo de os proteger tinha como efeito que eles cada vez menos lessem os seus direitos e os seus deveres, mas particularmente os seus direitos. E isto fez com que decidíssemos investir, e temo-lo feito constantemente nos últimos 13 anos, em programas de educação financeira no sentido de tornar conscientes as decisões de consumo, por um lado, e as decisões de recorrer ao crédito para o consumo, por outro. E podemos orgulhosamente dizer que temos um impacto numa estimativa conservadora de mais de um milhão de portugueses.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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