Saída de Tomás Correia foi tema tabu na reunião do Conselho Geral

A reunião do Conselho Geral acabou por não discutir a saída de Tomás Correia, com a oposição a manter-se em silêncio sobre o tema. Mas as contas da Associação geraram discussão acesa, numa altura em que o Banco voltou ao mercado.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O futuro de Tomás Correia à frente da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) continua por definir, mas começou já a contagem decrescente para o afastamento do gestor da maior instituição da economia social. Na reunião do Conselho Geral (CG), a oposição a Tomás Correia “esquivou-se” a confrontá-lo sobre a possível saída, mas as contas que este apresentou levantaram dúvidas com o conselheiro João Costa Pinto a dizer que a auditora KPMG “opina sem opinar” sobre as matérias mais importantes: sobrevalorização do banco nas contas da associação; e uma alegada manipulação dos resultados com recurso a um crédito fiscal.

Esta quarta-feira, Tomás Correia continuava sob forte pressão política, no centro do debate na Assembleia da República, com os tiros a partirem de todas as bancadas. E com o Governo a anunciar que esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, vai clarificar a competência da Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF), o regulador da mutualista, para avaliar a idoneidade de Tomás Correia para exercer o cargo de presidente da AMMG.  

A iniciativa segue-se à tomada de posição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu a necessidade de esclarecer qual a entidade que deve fiscalizar as mutualistas, e a partir de que momento.

As pressões públicas para que Tomás Correia renuncie subiram de tom nas últimas semanas, depois de se ter sabido que o Banco de Portugal o condenara ao pagamento de 1,25 milhões de euros por actos dolosos enquanto presidente da CEMG (entre 2008 e 2015), o principal activo do grupo Montepio. Mas a resposta de Tomás Correia tem sido adiar uma decisão que já não é sustentável, com os seus aliados a darem sinais de desconforto.

À revista Sábado, Luís Patrão, considerado uma “eminência parda” do PS, eleito para o Conselho Geral do Montepio na lista de Tomás Correia, desvalorizou as condenações de o BdP, alegando que os actos punidos diziam respeito ao banco e não à mutualista. Ao mesmo tempo, no início do mês, pediu uma reunião a Tomás Correia para lhe manifestar desconforto com as notícias que circulavam e com o facto de o gestor lhe ter assegurado que não seria alvo de condenação por parte do BdP. 

Tomás Correia ataca BdP

O Conselho Geral da mutualista, que esta terça-feira se reuniu pela primeira vez desde que, em Dezembro, Tomás Correia foi reconduzido, com mais de 43% dos votos, não previa a discussão do tema da idoneidade da gestão em funções.

Mas havia espaço num ponto - “outros assuntos” - para que fossem colocadas as perguntas incómodas ao presidente-executivo sobre o processo movido pelo BdP. Para surpresa de todos ninguém levantou dúvidas sobre a sua idoneidade para gerir a instituição. A única voz que abordou o tema sensível foi mesmo a do próprio Tomás Correia, que durante cerca de 30 minutos fez ataque cerrado ao BdP e apresentou os seus argumentos de defesa, confirmando a intenção de recorrer das acusações que o põem em causa.

Os relatos obtidos pelo PÚBLICO junto de conselheiros próximos do presidente do Montepio adiantam que tinham a expectativa de que algum dos conselheiros nomeados nas listas concorrentes, chefiadas por António Godinho e por Ribeiro Mendes, pudesse intervir, mas todos se “esquivaram” a enfrentar Tomás Correia e, ao não o fazerem, “deram-lhe força”.

A oposição tem outro entendimento: não se levantaram as questões porque Tomás Correia se antecipou e não houve oportunidade de o confrontar; havia um entendimento partilhado pelos representantes das duas listas de que, com as penalizações do BdP, cabe ao Governo e à AMMG resolverem o problema.

A margem para os que contestam Tomás Correia não é grande. Dos 23 conselheiros, apenas 12 foram eleitos pelos associados. E embora tendo garantido 67% dos votos, as listas adversárias de Tomás Correia só indicaram sete representantes. Os restantes 11 membros do CG ocupam o cargo por inerência: os cinco administradores executivos (Tomás Correia, Carlos Beato, Virgílio Lima, Luís Almeida e a ex-deputada do PS, Idália Serrão), os presidentes e o secretário da Mesa da AG, e o Conselho Fiscal.

Quanto vale o banco?

Na prática, o CG, onde Tomás Correia tem maioria, reuniu-se para analisar as contas da Associação Mutualista de 2018, o que justificou as intervenções de dois antigos banqueiros incluídos nas listas da oposição, preocupados com a sustentabilidade e credibilidade dos números. 

E foi João Costa Pinto, o ex-presidente das Caixas de Crédito Agrícola, da lista de Ribeiro Mendes (que teve 20,5% dos votos), a destacar-se com comentários críticos à auditora histórica do Montepio. Nomeadamente, que a KPMG “opina, sem opinar”, pois ignora dois problemas com materialidade no balanço. E os dois tópicos que o preocupam relacionam-se com a operação fiscal de 800 milhões de euros, registada em 2018, mas referente a exercícios passados, que estará a contribuir para “manipular” os resultados. A AMMG fechou o exercício transacto com um prejuízo de seis milhões, mas ao beneficiar do aumento de onze milhões de euros de impostos diferidos, apresentou um lucro de 1,63 milhões. 

O outro dossiê sensível diz respeito à sobrevalorização do Banco Montepio nas contas da Associação Mutualista. Contabilizada por 1,878 mil milhões de euros, a instituição chefiada agora por Dulce Mota, tem 1,547 mil milhões de euros de capitais próprios, incluindo os 498 milhões de euros de impostos diferidos. Por comparação, o valor de mercado em bolsa do BCP (de onde veio a actual presidente do Banco Montepio) é de três mil milhões, tendo seis mil milhões de euros de capitais próprios, incluindo três mil milhões de euros de impostos diferidos. Uma disparidade de valores que não traduz a diferença de dimensões entre as duas instituições, tanto em activos, como na rede comercial ou clientes.

Por seu turno, o ex-presidente do Banco Totta & Açores (agora Santander), Alípio Dias, apoiante de António Godinho (que recolheu 36,3% dos votos), pediu maior atenção à valorização dos activos e requereu o mapeamento da sustentabilidade dos fundos de investimento do grupo, para apurar se o valor dos activos inscritos em balanço está convenientemente calculado para resistir a cenários mais adversos.

Durante a reunião houve ainda tempo para o presidente da Mesa da Assembleia-Geral, e por inerência presidente do Conselho Geral, Vítor Melícias, defender Tomás Correia, e sugerir aos conselheiros que validassem as contas e aprovassem a divulgação junto dos associados de partes da defesa de Tomás Correia, que este facultara. Mas Costa Pinto contestou-o alegando que o órgão, não deliberativo, não tinha essa missão. 

Montepio volta ao mercado

De fora da agenda do Conselho Geral ficou outra matéria sensível: a operação de levantamento de capitais por parte do Banco Montepio e que arrancou esta segunda-feira. Em Londres, os responsáveis do Banco Montepio desenvolveram reuniões com investidores institucionais para os convencerem a adquirirem 150 milhões de euros de obrigações subordinadas.

O objectivo é colocar o Banco Montepio com rácios de capital acima do nível recomendado pelo Banco de Portugal, de 13,625%, que terá de ser cumprido a 1 de Julho deste ano.

A operação de levantamento de fundos está em movimento e foi precedida de uma tentativa falhada, realizada no final de 2018, ainda sob a liderança de Carlos Tavares, quando o então designado Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) falhou a colocação em mercado de 250 milhões de euros de obrigações subordinadas. Nessa altura, a AMMG assumiu os títulos. Se o cenário se repetir, dado que o contexto não se alterou, o accionista único do banco subscreverá novamente os títulos que ficarem por vender. Na prática, dado que as taxas de rentabilidade oferecidas aos investidores são altas, podem também ser atractivas para os mutualistas.

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