De pequenino é que se aprende a ter soninho

Na antevisão ao Dia Mundial do Sono, especialistas alertam para os comportamentos de risco dos adultos que dormem cada vez menos e prejudicam o crescimento das crianças.

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Dormir, desde o momento em que nascemos, é fundamental. Os especialistas estão preocupados com o sono entre os mais novos e avisam que a falta dele pode prejudicá-los para o resto da vida. O alerta chega pelas vozes de Teresa Paiva, neurologista e especialista do sono; Mário Cordeiro, pediatra; Filipa Sommerfeldt Fernandes, especialista em sono infantil; e Susana Sousa, pneumologista, que se reuniram no espaço Design para Todos do Ikea, em Sintra, no início da semana. Nesta sexta-feira comemora-se o Dia Mundial do Sono.

A ciência está a procurar saber mais sobre os bebés ainda em fecundação e como estes podem ou não ser influenciados pelos eventuais problemas de sono das mães, refere Teresa Paiva ao PÚBLICO.

Para Mário Cordeiro, a falta de sono “é uma das queixas mais frequentes” nos cuidados pediátricos porque “há horários desfasados na vida das pessoas, stress e vida agitada”, o que afecta as necessidades fisiológicas. O pediatra mostra-se chocado com a proibição da sesta após os três anos no pré-escolar. Isso e o uso “muito precoce” do telemóvel, que fica sempre perto das crianças e dos adultos na hora de dormir, devido ao seu uso indevido como despertador, acrescenta.

Além desta presença cada vez mais comum da tecnologia na vida das famílias, Mário Cordeiro refere que há cada vez mais ruído e elementos “de todas as dimensões” que podem atrapalhar o sono. É o “camião do lixo” à noite ou o “vizinho que abre ou fecha alguma coisa”,enumera. Mas há mais. Há pormenores a ter em conta dentro de um quarto: o tipo de colchão e o seu uso, este deve ser mudado conforme a altura e o peso das crianças à medida que crescem; a posição da cama e a temperatura do quarto. “É preciso agir de forma preventiva e proactiva” para ter noites melhor dormidas, recomenda.

“Dormir bem tem a ver com os cuidados que temos com o sono ao longo da vida”, defende a neurologista Teresa Paiva. Se for preciso tratamento e este não for feito, cria-se “uma cicatriz" para a vida. “Estamos feitos com sistemas sofisticados no nosso corpo para dormir e acordar, mas estamos a estragar isso”, alerta. “O nosso corpo é como um relógio e tem horas para trabalhar e para repousar”, algo que não ajuda se as pessoas trabalharem todos os fins-de-semana e não tiverem férias, exemplifica. “Os pais ficam sobrecarregados e passam isso aos filhos, que também têm de estar sempre ocupados a estudar, a aprender a andar a cavalo, a falar inglês, francês e mandarim. Assim não dormimos”, critica. “O sono é como uma onda. Vai e vem. Isso de haver um ‘botão’ não pode ser.”

Problemas de comportamento

Teresa Paiva conta que, por vezes, os seus doentes partem de “princípios contrários”, por exemplo, há quem considere que “dormir oito a nove horas por dia é estar doente”. Não é. E no caso das crianças, se não costumam dormir bem, há um problema de saúde e isso “tem de ser tratado”, reforça. E não se resolve com o insistir constantemente em dormir na cama dos pais, por exemplo.

Existem problemas comportamentais associados à hora de dormir e que “estão a condicionar o sono na maioria dos casos”, aponta Filipa Sommerfeldt Fernandes. Há pais erradamente optimistas que prolongam o problema de os filhos não conseguirem dormir dizendo que quando “começarem a andar ou comer é que vai ser”, e famílias que não podem pensar que a solução “é fechar uma criança num quarto escuro e deixá-la chorar e ter medo”. Há que “deixar as crianças adormecer naturalmente mesmo que deitar cedo seja importante”, propõe.

A especialista em sono infantil vê os perigos na atitude de muitos adultos completamente “ligados à corrente” que já consideram fatal “não fazer nada durante duas horas” e heróico “trabalhar até às cinco da manhã”. “Vivemos muito em função do ‘ter’, ‘possuir’ e ‘empreender’ e a deixar praticar os verbos ‘ser’ ou ‘estar’”, concorda o pediatra Mário Cordeiro. “O trabalho invadiu as pessoas e elas deixam. É necessário parar para pensar, sem ter medo de corrigir pequenas práticas e não querer tudo no imediato”, advoga.

Susana Sousa, pneumologista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), refere que “o sono é tão prioritário como comer ou fazer exercício físico” e alerta para os perigos das doenças respiratórias do sono, que podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares. No entanto, elogia os doentes que chegam com diagnósticos e percentagens de sono calculadas em aplicações médicas. 

Venda de medicamentos aumenta

Segundo a Deco, entre os portugueses que recorrem a medicamentos, em 93% dos casos são receitados por um médico. Nos últimos anos, a venda tem vindo a aumentar nos últimos anos. No entanto, isso “mascara doenças do sono que são prolongadas e tornam-se quase irreversíveis”, refere Susana Sousa que relembra ainda os perigos do consumo de álcool e tabaco.

Entre 2004 e 2016, o número de problemas de sono duplicou entre os portugueses. Quase dois terços diz que dorme mal, acusando níveis de sonolência preocupantes durante o dia, conclui o mesmo estudo da Deco, que salienta que 35% dos inquiridos assume ter bastante sonolência durante o dia – algo que “afecta a produtividade e aumenta o risco de acidentes” (com dificuldades em ficar acordado ao volante, à mesa ou em eventos sociais, pelo menos, uma vez por mês).

A Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da SPP, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho (SPMT), confirma que, em Portugal, quase metade dos adultos com idade igual ou superior a 25 anos dorme menos de seis horas por dia e 32% dorme mal.

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