Neto de Moura não decidiu sozinho. A adjunta era mulher

Não basta conhecer as teorias e os artigos dos muitos códigos; é tão decisivo, como esse conhecimento, possuir aptidão para julgar.

Os acórdãos de Neto de Moura têm merecido a crítica severa e mordaz da grande maioria do povo português, o que, ao contrário do que algumas almas consideram, sobretudo juízes, é bastante positivo.

Neto de Moura, com as abencerragens produzidas nos acórdãos debaixo de fogo, em vez de aplicar a lei enredou-se na pior interpretação da Bíblia que consiste na ideia que a mulher é a representação do mal, enquanto ser portador de sexualidade, a quem lhe é exigida a fidelidade sexual, não o sendo ao homem.

Basta dar leitura aos acórdãos para se perceber que na cabeça de Neto de Moura a mulher é um ser perverso capaz de cometer adultério, algo abominável e de certo modo justificativo da violência masculina. O adultério é grave se praticado pela mulher, se for por homem está perdoado porque não resistiu à maçã de Eva…

Para Neto de Moura o homem tem direito de submeter a mulher a sevícias dado que a conduta da infiel é a causa do transtorno inultrapassável do homem, uma espécie de inimputabilidade moderada baseada na reação em defesa da honra.

Imagine-se este direito nas mãos das mulheres tendo em conta os casos de adultério masculino…

Porém, para além deste enfoque, já sobejamente tratado nos media, há dois outros aspetos que importa salientar. O senhor desembargador relator teve o acordo de uma senhora desembargadora, o que coloca um outro problema civilizacional de fundo.

Há mulheres desembargadoras, pelo menos uma, que pensam como Neto de Moura, o que atinge um grau de perversão extraordinário, indo com ele até às catacumbas da Antiguidade fazendo uma interpretação de ensinamentos bíblicos, nascidos há milénios, fontes de teoria da legitimação da violência contra as mulheres “pecadoras”.

Os juízes têm um poder único que mais ninguém tem. Para o exercício dessa profissão extraordinária que é julgar as mulheres e os homens, impõe-se que o seu exercício seja levado a cabo por gente ligada ao que na sociedade são os valores civilizacionais, onde o Direito vai buscar as raízes para se apresentar como o regulador dos comportamentos dentro da comunidade.

Não é aceitável que este crivo deixe passar “avis raris” que pregam como se vivessem “in illo tempore”, em que o homem detinha um poder total sobre a mulher.

E esta questão leva-nos exatamente ao CEJ onde são formados os nossos juízes. Não se acredita que estes sejam os valores com que se pretende moldar os futuros juízes, mas certamente que é incutido um espírito que leva a que haja juízes que fundamentam as suas decisões com as mais anacrónicas e aberrantes conceções, que só são vigentes no reino absolutista da Arábia Saudita, no Daesh e, em parte, no Irão dos ayatolas.

Não basta conhecer as teorias e os artigos dos muitos códigos; é tão decisivo, como esse conhecimento, possuir aptidão para julgar. A esse elevado grau de conhecimento tem de se juntar um espírito democrático e humanista que emerge do nosso ordenamento jurídico e que dá corpo ao Estado de Direito democrático.

Não basta dar entrevistas a dizer que é a favor da igualdade de género, quando na qualificada função de julgar os seus semelhantes produz arestos com justificações próprias do tempo de Caifás e Barrabás; similar a uma apresentadora de um programa nojento, onde as mulheres são tratadas como seres inferiores, que se defende dizendo que até é feminista…

Se os juízes encarassem o Estado de Direito democrático como um empecilho para travar impulsos de natureza ideológica cometeriam severas infrações ao desempenho das suas funções, como no caso de Neto e a adjunta.

E, por último, vale a pena refletir sobre o seguinte problema: Os acórdãos são assinados sem serem lidos pelos adjuntos? Se o são, com essa conduta subverte-se totalmente o espírito do legislador que é o de não deixar nas mãos de apenas um juiz uma decisão de um tribunal superior.

Com este comportamento normalizado (aparentemente) o que se pretende é que nenhum juiz incomode o outro e assim se estabeleça um factor de cumplicidade em que não se intrometam no trabalho uns dos outros, deixando nas mãos de um julgador o que devia ser de três, sempre que haja empate entre o relator e o adjunto.

Como nos acórdãos de Neto de Moura em discussão, a adjunta perfilhou o teor do relator e os dois (um e uma) produziram acórdãos que envergonham a magistratura. Será que ela o leu?

         

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