PS atrasa sentença de deputado socialista acusado de peculato

O tribunal já pediu três vezes ao Parlamento que levante a imunidade a José Magalhães, arguido num processo. O deputado do PS Pedro Delgado Alves está incumbido do parecer mas ainda não fez.

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daniel rocha

O deputado socialista José Magalhães está há seis meses à espera de saber se vai ser condenado ou ilibado em tribunal por ter comprado à custa do erário público livros e outras publicações consideradas pelo Ministério Público impróprias para as funções que exerceu. Mas a culpa é do seu próprio partido, já que o tribunal pediu por três vezes ao Parlamento que lhe seja levantada a imunidade parlamentar e o parecer, que devia ser escrito pelo também deputado do PS Pedro Delgado Alves, continua por fazer.

Questionado pelo PÚBLICO, Delgado Alves diz ter havido um “desencontro na distribuição” do pedido de parecer; garante que só se apercebeu disso há dias e que o assunto vai ser “tratado com a maior brevidade e urgência”. Acrescenta mesmo que “a situação é muito simples e já está resolvida” – embora admita que ainda não o escreveu –, sem querer antecipar qual vai ser o sentido do parecer. Promete apenas que “ainda nesta semana, se a subcomissão reunir, ou, o mais tardar, na próxima” haverá parecer – que terá que passar pela Comissão de Assuntos Constitucionais e ser aprovado em plenário antes de seguir para o tribunal.

Vamos por partes. O caso remonta ao período entre 2009 e 2011, altura em que o socialista exerceu funções de secretário de Estado da Justiça. Na sequência de uma queixa da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa abriu uma investigação às despesas feitas entre 2007 e 2013 pelos governantes portugueses com os cartões de crédito do Estado. Só detectou indícios de comportamento criminoso no caso de José Magalhães e de um antecessor seu na pasta da Justiça, Conde Rodrigues.

Foi há pouco mais de um ano que os ex-secretários de Estado de José Sócrates viram recair sobre si uma acusação de peculato, crime punível com até aos oito anos de cadeia destinado a sancionar os funcionários públicos que se apropriem de bens ou de dinheiro do Estado. Conde Rodrigues, que não quis prestar declarações ao PÚBLICO, viu posta em causa a utilidade das mais de sete centenas de livros que adquiriu com os cartões de crédito do Estado durante os quatro anos que passou no Terreiro do Paço. O Ministério Público não compreendeu a utilidade pública dos romances, livros de arte e até guias de viagens que comprou.

E se é certo que entre clássicos como Moby Dick ou Anna Karenina surgem publicações ligadas ao Direito (tudo junto custou 13.657 euros), aos investigadores suscitou especial curiosidade um exemplar da revista Caras. O arguido explicou a sua aquisição com a necessidade em se manter informado sobre processos judiciais envolvendo menores, como o caso Esmeralda, bem como sobre situações de violência doméstica. Quanto ao restante acervo, alegou que a magnitude das funções que exercia o obrigavam a um constante esforço para se manter a par dos variados assuntos a que superintendia.

Um argumento que foi igualmente usado por José Magalhães, a quem o Ministério Público pede a devolução dos 421 euros despendidos em livros de leis mas igualmente em revistas de música e saúde. Apesar de se ter remetido ao silêncio quer em sede de inquérito quer durante o julgamento, José Magalhães explicou, na contestação que fez à acusação, que a compra de uma revista de ioga para o seu gabinete não era tão descabida como supunha o Ministério Público, uma vez que a publicação em causa tinha um artigo sobre a prática desta actividade nas cadeias.

Livros e revistas ficaram em parte incerta: ao contrário do que diz o DIAP os arguidos negam ter levado as publicações consigo para casa quando abandonaram funções, afirmando que o facto de elas não fazerem parte das listagens de existências do Ministério da Justiça não é prova de que lá não se encontrem ainda hoje.

O julgamento foi rápido e tinha acórdão marcado para Setembro. Só que José Magalhães assumiu funções de deputado nessa altura, tendo informado o tribunal disso mesmo. O pedido de levantamento da imunidade teria que ser feito ao Parlamento. A juíza que presidia ao colectivo adiou a leitura da sentença e oficiou a Assembleia nesse sentido uma, duas, três vezes. Nunca teve resposta. A última vez que pediu aos deputados uma resposta urgente foi já este mês.

O gabinete do presidente Ferro Rodrigues remeteu para a subcomissão de Ética os pedidos. Em Novembro, o assunto foi falado numa reunião da comissão e, como é da praxe parlamentar, é sempre o grupo parlamentar do deputado em causa que elabora o parecer. No caso, estavam incumbidos os deputados Pedro Delgado Alves ou Fernando Anastácio.

Perante a demora, na reunião de 19 de Dezembro Delgado Alves foi relembrado da tarefa e prometeu fazê-la em Janeiro, depois de falar com José Magalhães. Até agora não deu resposta à subcomissão. Tal como também a subcomissão de Ética não deu qualquer resposta formal ao tribunal, apurou o PÚBLICO junto dos serviços da subcomissão. Os serviços jurídicos até admitiam que não fosse necessário o levantamento da imunidade, já que todo o processo judicial foi conduzido quando Magalhães não era deputado, mas o tribunal tem insistido no levantamento da imunidade.

“Estou à espera há seis anos”, resume José Magalhães, que se refere a este processo como sendo “de natureza persecutória e vingativa”. O deputado assegura que não levou a cabo qualquer espécie de obstrução à justiça.

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