“Se uma cadeia de hambúrgueres consegue combater as alterações climáticas, o mundo também consegue”

A Max Burgers percebeu que “já não chegava reduzir a pegada ecológica a zero para resolver o problema” do clima: era preciso ir além, torná-la positiva. O futuro da empresa sueca, diz Kaj Török, passa agora por diminuir o consumo de carne e tornar os hambúrgueres “verdes” tão saborosos quanto os de vaca.

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Kaj Török, director de sustentabilidade da Max Burgers PAULO PIMENTA

Comer hambúrgueres e ajudar o clima pode parecer estranho, mas é possível: a empresa sueca de fast food Max Burgers contabilizou todas as suas emissões de dióxido de carbono — desde os agricultores até à mesa — e decidiu não só neutralizá-las através da plantação de árvores, mas também ultrapassá-las, oferecendo aquilo a que chamam “o primeiro menu do mundo com uma pegada ecológica positiva” ou, na sua versão original, climate positive. “E se uma cadeia de hambúrgueres nascida acima do Círculo Polar Árctico consegue fazer isto em 2019, o mundo deverá conseguir fazê-lo até 2050”, conta ao P3 o sueco Kaj Török​, quem assume as rédeas do departamento de sustentabilidade da empresa.

“Isto dá às pessoas o poder de votarem com a sua carteira”, acredita o orador que esteve no Porto entre 5 e 7 de Março para a Climate Change Leadership. Nesta empresa, a preocupação ambiental faz parte da ementa e esse é um dos trunfos da cadeia sueca, que convida os clientes a “dar uma trinca para ajudar o clima”: a escolha dos consumidores passa a ter em conta não só as opções saudáveis ou o sabor, mas também o facto de ser uma empresa amiga do ambiente. “É muito lucrativo para nós, temos números que o provam”, conta Török​. “E conheço casos de pessoas que não comem em cadeias de fast food — mas se o tiverem de fazer optam pela Max.”

Criada em 1968 pela família Bergfors (o negócio continua nas mãos da família), a cadeia de restaurantes surgiu meia década antes de as potências norte-americanas chegarem ao mercado sueco para o tentar conquistar. Já foi tarde: apesar da presença do McDonald’s e do Burger King em solo escandinavo, a Max Burgers lidera tanto em lucro quanto em popularidade.

Plantar a mudança, árvore a árvore

Para se ter uma pegada ecológica positiva é preciso neutralizar o total das emissões produzidas pela empresa e ainda ir além disso, através da captura de carbono da atmosfera. Na Max Burgers, tal é conseguido através da plantação de árvores no continente africano — até hoje, já foram plantados mais de dois milhões de árvores, o equivalente a cerca de 4380 hectares (uma área ligeiramente superior à de toda a cidade do Porto). “Há muitos pequenos agricultores no Uganda a trabalhar connosco para que consigamos alcançar isto”, diz, acrescentando que a plantação de árvores lhes permite capturar até 110% das emissões de dióxido de carbono (CO2) da Max Burgers.

A viagem para analisar as emissões é longa e deve ser minuciosa: “Temos analisado tudo, desde as mãos dos agricultores até aos consumidores, e até temos em conta as viagens casa-trabalho-casa dos nossos funcionários [são cerca de 5400]; é toda a viagem, o ciclo completo, 100% das emissões.”

Simplificando, trata-se de um processo de três passos. O primeiro é o mais “matreiro”: “é preciso contratar um especialista para analisar todas as emissões”, explica Török​, pondo a tónica em “todas”. Depois, é preciso reduzir as emissões; o passo final é capturar carbono. E esta mudança não tem necessariamente de ser dispendiosa. “Só nos custou 0,25% do volume de negócios para que passássemos a ter uma pegada ecológica positiva e, desta perspectiva, fica muito barato. Basta que consigamos atrair mais 1% de clientes para que seja um óptimo negócio.”

Com um volume de negócios na ordem dos 220 milhões de euros por ano, a Max Burgers tem 140 restaurantes: 125 na Suécia e os restantes na Noruega, na Dinamarca, na Polónia, no Egipto e nos Emirados Árabes Unidos. A vinda para Portugal é uma possibilidade, mas falta encontrar a entidade certa para a explorar aqui: “Se encontrarmos alguém que tenha a mesma visão sobre o que os negócios sustentáveis podem fazer pelo mundo e também seja bom na área da restauração, é muito provável que arrisquemos”.

“Pode comer-se carne, mas menos”

E o futuro é vegan? “Para mim, o futuro é flexitariano: pode comer-se carne, mas menos do que se come hoje. A ciência não diz que temos de deixar de comer carne, diz que temos de deixar de comer tanta carne”, responde Török​, adepto desta corrente alimentar.

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Kaj Török na Alfândega do Porto PAULO PIMENTA

Antes de pensar sequer em inverter as emissões de forma que a balança seja positiva, há que começar por reduzir as emissões — e uma das formas mais rápidas de o fazer é reduzir o consumo de carne e apostar em opções à base de plantas. Só que para fazer vingar estes hambúrgueres “verdes” — uns sem produtos de origem animal e outros ovolactovegetarianos —, há o desafio de os tornar saborosos: “Estes hambúrgueres têm de saber pelo menos tão bem quanto os de carne bovina, e [dizer] isso não nos compete a nós, mas sim aos nossos consumidores”, argumenta Török​. Ainda assim, os resultados têm sido positivos, as vendas têm subido “a pique” e o negócio verde “está a florescer”.

À plateia, durante a conferência na Alfândega do Porto, o sueco pediu que todos imaginassem o melhor hambúrguer que já alguma vez tinham provado. “Quantos de vocês estavam a pensar em hambúrgueres de carne?”, perguntou, e as mãos levantadas evidenciavam uma maioria. “A carne bovina continua a saber melhor e isso significa que temos um problema climático. A coisa mais importante a fazer para reduzir as emissões é garantir que os nossos hambúrgueres ‘verdes’ são pelo menos tão saborosos quanto os de carne”, afirmou.

Em Portugal, o consumo médio diário de carne vermelha ronda os 100 gramas, quando o ideal seria comer uma media de apenas 14 gramas por dia. Por questões saúde e para garantir a sustentabilidade do planeta, como noticiava o PÚBLICO no último domingo.

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O objectivo da Max Burgers é ter um menu composto por 50% de opções vegetarianas, como este hambúrguer sem produtos de origem animal. DR

Num momento em que se conhecem os impactos negativos do consumo excessivo de carne, tanto para a saúde humana como para o ambiente, o objectivo da Max Burgers passa por reduzir a ementa carnívora. Agora, o menu é composto por 60% de hambúrgueres feitos com carne vermelha, mas a meta é atingir o equilíbrio e ter pelo menos 50% do menu sem esta proteína animal. “E isto começou com 15% há três anos, portanto a mudança é mesmo rápida”, resume Török​.

Outras medidas

Idealizar a primeira ementa com pegada ecológica positiva do mundo “é uma questão de se assumir um modelo para a mudança”. “Sabemos que há quem pense que, se parece impossível ajudar o clima, mais vale não fazer nada. A nós parece-nos muito importante ter esperança”, sublinha. Além da plantação de árvores, foram tomadas outras medidas: usam-se embalagens renováveis, há menos de 1% de desperdício alimentar dentro dos restaurantes, não se usa óleo de palma e o óleo de fritar é convertido em biodiesel. Outro dos objectivos agora em mente é a eliminação das palhinhas de plástico que acompanham as bebidas.

Depois das árvores como método de captura de carbono, está a ser equacionada a utilização de biocarvão — já em fase de projecto-piloto —, um tipo de biomassa produzido a partir de carvão que permite reduzir a quantidade de carbono na atmosfera e melhorar os solos. Outra das hipóteses futuras em cima da mesa são as centrais de energia de biomassa com captura e armazenamento de carbono (ou BECCS, acrónimo em inglês), que produzem energia através da queima de biomassa, como resíduos florestais ou agrícolas, acumulando o dióxido de carbono em reservatórios selados.

O sueco refere ainda que a Max Burgers conseguiu alcançar a meta definida pela organização ambientalista WWF para medir a pegada ecológica, ou seja, 500 gramas de dióxido de carbono por refeição. E conseguiram-no 32 anos antes do prazo estipulado, tendo já um hambúrguer vegetariano chamado “CrispyNoChicken” que se fica pelos 300 gramas de CO2 por refeição.

Ainda vamos a tempo?

Para Kaj Török​, a tecnologia hoje existente permitiria atingir as metas do Acordo de Paris (conter a subida dos termómetros a um valor “muito abaixo dos dois graus Celsius” e “prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius” acima dos níveis pré-industriais), mas há um elemento em falta: a vontade política. E alerta que “já não chega reduzir a pegada ecológica a zero para resolver o problema”. Nas palavras de Török​, são precisos três para dançar o tango da luta contra as alterações climáticas: os consumidores, as empresas, e os políticos.

Na conferência promovida pela produtora vinícola Taylor’s, Kaj Török​ quis partilhar conhecimento e dar o exemplo a outras empresas que estejam prontas a arriscar. Se todas o fizessem, os cidadãos poderiam transformar-se em “heróis do clima”: “Um dia poderíamos acordar numa cama com pegada ecológica positiva, vestirmos um robe com pegada ecológica positiva, pentear o cabelo com uma escova com pegada ecológica positiva. Seríamos heróis ainda antes do pequeno-almoço.”

Foi quando se tornou pai que Török​ percebeu que tinha um mundo para deixar como herança aos filhos: “Usava todos os dias produtos que eram maus para o planeta, mas ser pai forçou as minhas decisões do dia-a-dia, percebi que destruir o futuro dos meus próprios filhos não era razoável”, disse durante a conferência, antes da intervenção do ambientalista e antigo vice-Presidente norte-americano Al Gore. “Não podemos fazer tudo, mas podemos fazer qualquer coisa”, asseverou.

O sueco insiste que “chegou a hora” e espera que a ideia desenvolvida pela Max Burgers seja contagiante: a cadeia têxtil H&M já anunciou que pretende assumir este compromisso até 2040 e a IKEA anunciou que o pretende fazer até 2030. “Isto é bom, mostra que é possível, conseguimos fazê-lo”, conclui Kaj Török, numa mensagem de esperança.

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