Japão receia ter de fazer “planos de contingência à beira do precipício"

Optimista quanto ao potencial do acordo de parceria económica com a União Europeia em vigor desde 1 de Fevereiro, o Japão não esconde a "preocupação" com o Brexit.

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LUSA/ANDY RAIN

O Japão, sexto maior parceiro comercial do Reino Unido fora da União Europeia, está “muito preocupado com um cenário de não acordo” para a saída do (ainda) Estado-membro do bloco regional europeu, reconheceu esta terça-feira, perante jornalistas de Portugal, Grécia e Polónia um alto quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão. O país asiático, que vende anualmente 11,4 mil milhões de euros ao Reino Unido e compra outros 6,5 mil milhões ao mesmo Estado-membro que tem 29 de Março como data-chave para a sua saída da União Europeia, aloja em terras britânicas um terço das 1000 companhias nipónicas com presença directa no bloco económico europeu.

Caso haja uma saída na versão soft, há um plano delineado: um “período de transição até ao final de 2020”, período durante o qual as regras hoje em vigor se manteriam. Depois, a ideia seria “copiar o sistema da EPA [Economic Partnership Agreement] para o Reino Unido”, uma parceria económica com a União Europeia (UE) em vigor desde 1 de Fevereiro. Mas sem acordo, a incerteza e os custos acumulam-se.

É precisamente essa a opção que mais preocupa as empresas nipónicas já estabelecidas no Reino Unido - a Toyota Motor (com produção em Burnaston) e a Nissan (em Sunderland) já decidiram levar os novos modelos automóveis para fora das fábricas que detêm no Reino Unido, mercado onde a Honda já avisou que uma versão hard do Brexit pode encerrar (pelo menos temporariamente) a sua unidade industrial na Grã-Bretanha. Todas estas empresas dependem do continente europeu para receber os componentes necessários à finalização das viaturas.

Não foi por falta de aviso. “Um Brexit sem acordo continua a ser o pior cenário possível” e sem período de transição para uma adaptação ao Reino Unido do acordo comercial UE-Japão, pelo qual as maiores empresas japonesas lutam há dez anos, o sector industrial será “forçado a implementar planos de contingência num cenário à beira do precipício”. A descrição é da Keidanren, a poderosa federação empresarial do Japão, e tem um ano. Foi a 16 de Março de 2018 que a Keidanren e o conselho empresarial japonês na Europa (JBC - Japan Business Council in Europe) emitiram um comunicado conjunto em que “instavam fortemente a UE e o Reino Unido a realizar os maiores esforços para negociar, colocando a economia em primeiro lugar para que o impacto adverso, não só na Europa como na economia global, seja limitado o mais possível”.

Um ano depois, a recomendação leva a exasperação, patente no discurso de Kiyomi Kasai, directora do gabinete de assuntos internacionais da Keidanren. “Infelizmente, a política do Reino Unido é complicada e ainda sofremos de incerteza e imprevisibilidade” a pouco mais de duas semanas da data prevista de saída. Se o acordo comercial com a UE permite a abolição gradual das taxas alfandegárias de 10%, nos próximos oito anos, sobre os automóveis nipónicos importados pela União, e a eliminação automática de mais de 90% das taxas (em valor exportado) sobre componentes automóveis, o mesmo não se aplicará a quem ficar de fora, sem acordo e sem transição, do bloco económico europeu. “Não é o que pretendemos”, mas sim a “manutenção do status quo, que é importante” para o sector empresarial nipónico, reafirma Kiyomi Kasai, que ainda em Novembro passado fez parte da delegação da Keidanren que esteve de visita a Portugal e foi recebida por Marcelo Rebelo de Sousa.

Até lá, a Keidanren (com proveitos anuais de 53 milhões de euros vindos essencialmente de quotas das 1370 empresas e 109 associações nacionais federadas) já pediu às companhias para se prepararem para a saída sem acordo: algumas já estabeleceram filiais na Europa continental comunitária e algumas já optaram por diversificar mercados para “compensar a perda do Reino Unido”.

Mas há custos económicos em curso. Planear uma fábrica automóvel para um novo modelo é feito com “dois a três anos de antecedência”, não é de ânimo leve que se altera a sua localização, e não saber o que vai acontecer é, por outro lado, forçar o armazenamento de componentes ou outros bens sem mapa de saída. “Hard” ou soft, a saída [do Reino Unido da UE] terá impactos económicos” e “cria uma situação única”, inesperada para uma cultura empresarial que está habituada a levar tempo a fazer negócios, mas que usa o tempo, também, para os sedimentar. “Porque”, dasabafa Kasai, a verdade é que “quando o Reino Unido convidou o Japão [a investir no país] foi também como membro da UE”. E com a perspectiva que assim iria continuar.

A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão

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