Cerca de 300 mil com mais de 50 anos sofrem de perda de visão ou cegueira

Estudo recomenda o alargamento do universo de pessoas a receber apoio para aquisição de lentes e armações. Dados dizem respeito a pessoas com perda de visão moderada a grave. O impacto anual por perda de produtividade pode chegar até aos 722 milhões euros.

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Miguel Manso

Perto de 300 mil pessoas em Portugal com mais de 50 anos sofrem de perda de visão moderada a grave ou de cegueira. O impacto anual por perda de produtividade pode chegar até aos 722 milhões de euros, segundo dados referidos num estudos sobre cuidados de saúde da visão, que recomenda o alargamento do universo de pessoas a beneficiar de apoio para aquisição de lentes e armações. A questão foi identificada como uma das barreiras ao acesso de cuidados.

Estudo para a Universalização de Cuidados de Saúde da Visão em Portugal foi realizado pela Nova Healthcare Initiative – Research, da Universidade Nova de Lisboa. O trabalho, pedido pela Associação dos Profissionais Licenciados em Optometria (APLO), é da autoria de Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, e de Pedro Pita Barros, economista da Saúde.

“Perto de 300 mil portugueses com mais de 50 anos sofrem de cegueira ou perda de visão moderada a grave. Através de diferentes metodologias, estima-se que em Portugal a perda de produtividade nesta população tenha um impacto anual entre os 203 e os 722 milhões de euros”, lê-se no estudo, que cita o trabalho internacional Impacto Económico da Cegueira na Europa, publicado em 2017 e que usa dados do Eurostat. A diferença depende da metodologia usada: o valor mais baixo tem como referência o salário mínimo, o mais alto usa o PIB ajustado por paridade do poder de compra.

Alexandre Lourenço afirma que “grande parte destas causas de cegueira ou perda grave de visão podem ser evitadas com o tratamento adequado e prevenção”. Os dois autores fizeram uma análise ao percurso do doente e encontraram várias barreiras, “como o acesso ao diagnóstico precoce e a aquisição de armações e lentes”. Esta última “é uma barreira ao acesso, sobretudo para as famílias que têm menos remuneração”.

Embora os idosos que recebem complemento solidário beneficiem de subsídio para aquisição de lentes e armações, a sua utilização é reduzida: 1,7% em 2017. “O ministério tem de promover este benefício e alarga-lo a idades mais jovens. Começar pelas crianças devia ser prioritário”, defende o autor. O estudo sugere ainda como possíveis beneficiários pessoas em insuficiência económica, com rendimento social de inserção, bolseiros do ensino superior e titulares com abono de família.

E apresenta estimativas de custo, tendo em conta os valores médios de reembolso aos idosos com complemento solidário (91 euros) e os valores médios dos beneficiários da ADSE (perto de 171 euros). Se a taxa de utilização deste benefício fosse de 20%, o custo estimado nas crianças até aos quatro anos estaria entre os 7 milhões e os 13 milhões. Já se fosse no grupo de pessoas com insuficiência económica, o custo seria entre 52 milhões e 98 milhões. Se o Governo optasse antes por um alargamento universal (Portugal continental), então as estimativas estão entre 178 milhões e os 334 milhões de euros.

“É uma recomendação que vamos tentar fazer o possível e o impossível para defender. É estranho constatar, pelos números que os autores do estudo indicam, que praticamente todas as pessoas ou estão excluídas de ter acesso ou não têm literacia suficiente para recorrer a esse reembolso ou não estão informadas”, afirma o presidente da APLO, que lembra que a ADSE aceita prescrições feitas pelos optometristas.

Raul Alberto Sousa adianta que enviaram o estudo ao Ministério da Saúde e aos grupos parlamentares há cerca de duas semanas. Para já têm uma reunião agendada com o PCP.

Regulamentação da carreira

Esta recomendação cola com outras duas feitas no estudo e estão interligadas com os tempos de espera prolongados para consultas e cirurgias. Uma limitação relacionada com a falta de oftalmologistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que a Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, apresentada no ano passado, reconhece. “Temos de desenhar as nossas propostas de acordo com os recursos existentes”, salienta Alexandre Lourenço, referindo que por causa das “barreiras de acesso no SNS, os doentes acabam por recorrer as ópticas comerciais”.

O estudo recomenda a regulamentação da carreira de optometrista, tal como vários países já fizeram, para garantir “a defesa da saúde e eliminar conflitos de interesses”. Assim como a criação de um projecto-piloto que integre optometristas nos centros de saúde para a realização de rastreios, num trabalho coordenado pelos serviços de oftalmologia.

Raul Alberto Sousa lembra que têm uma proposta de regulamentação da carreira “apresentada há três anos”. “A anterior equipa do ministério tinha tomado uma posição pública de que optometristas seriam integrados nos centros de saúde. Desde então, apesar das promessas, o ministério cortou todo o diálogo”, diz, lamentando as indicações que vão no sentido de no Parlamento se estar a trabalhar numa regulamentação que “limita a autonomia” destes profissionais e que “vai levar a um estrangulamento adicional no acesso aos cuidados”.

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