Não deixar cair nem esquecer a Venezuela

O drama humanitário-político da Venezuela já ter dado origem à maior deslocação de pessoas alguma vez ocorrida nas Américas.

1. Preocupante. Muito, muitíssimo preocupante. A situação dos venezuelanos e da comunidade lusa na Venezuela é extremamente preocupante. O estado de coisas tem vindo a deteriorar-se significativamente, mas os problemas graves não são de agora nem são sequer recentes. Basta ouvir os conselheiros da comunidade portuguesa, que falaram aos microfones da Antena 1 e da TSF nos últimos dias (nas passadas sexta-feira e segunda-feira), para perceber o ponto a que se chegou, mas também o terrível ponto de que se partiu. Existe obviamente uma questão política, mas o caso, antes de ser político, é humanitário. Está em causa a sobrevivência de milhares de pessoas, está em causa a vida e a morte.

O apagão dos últimos dias – que persiste em não ser resolvido – era, segundo relatos de membros das comunidades portuguesas, altamente provável (e até previsível), atenta a total falta de investimento e de manutenção na infra-estrutura eléctrica e na respectiva rede. Este apagão, generalizado ao território venezuelano, é já directamente responsável por dezenas de mortes e pode, mesmo que indirectamente, originar dezenas de milhares de vítimas. Na verdade, todos falam nas consequências da falta de electricidade nos estabelecimentos hospitalares e de saúde, sendo o caso dos milhares de doentes sujeitos a hemodiálise o exemplo mais citado.

O “mega-apagão” exponenciou também as ameaças e os perigos ao nível da segurança de pessoas e bens. Mais uma vez, os problemas de insegurança e violência na sociedade venezuelana são antigos, mas pioraram com Chaves e pioraram fortemente com Maduro, afectando de modo muito intenso a comunidade portuguesa. Os assassinatos, sequestros, os saques a lojas e armazéns e os assaltos vulgarizaram-se. A ausência de iluminação favorece a actuação de quadrilhas, gangs e esquadrões do crime; por outro lado, a falta de electricidade agrava o estado de necessidade das camadas da população que estão na miséria. Atentos os níveis de violência com que Caracas e a Venezuela em geral já se defrontavam, os relatos dos últimos dias, em alguns casos, evocam o ambiente do “estado de natureza” hobbesiano.

2. Toda esta emergência humanitária, posta em relevo por este corte eléctrico, decorre num quadro político dissolvente e especialmente hostil. O presidente legítimo e interino, encarregado de organizar eleições, Juan Guaidó, goza de um enorme apoio popular, de resto, demonstrado em manifestações sucessivas (também largamente atestado pelas informações provenientes da comunidade lusa). Mas não dispõe ainda do domínio do aparelho coercivo, que permita impor as suas legítimas decisões, em particular em sede de franqueamento do país à entrada de ajuda humanitária. E que, do mesmo passo, permita criar as condições para a realização de eleições presidenciais livres e justas no mais curto prazo possível.

O regime político de Maduro conserva, portanto, o controlo de facto do aparelho coercivo, isto é, das Forças Armadas e policiais. A estas acresce o controlo dos terríveis “colectivos”. Os “colectivos” são milícias armadas, uma espécie de guarda pretoriana informal, com a missão de defesa ideológica do regime, compostas por populares armados e treinados para o efeito. Cura-se de autênticos “esquadrões da intimidação e da violência”, que espalham o medo e o terror pelas cidades e vilas da Venezuela. Estes “esquadrões da morte” – para retomar a sinistra denominação outrora usada no Brasil – dependem directamente de Maduro, que era já um dos seus “criadores” durante os anos do ditador Chávez. Estima-se que o número de efectivos que integram estas forças paralelas ultrapasse os 50.000. A situação política, para além, de periclitante, é, por isto, explosiva.

3. A tudo isto se soma a circunstância de o drama humanitário-político da Venezuela já ter dado origem à maior deslocação de pessoas alguma vez ocorrida nas Américas. O número de refugiados já ronda os 3,5 milhões de pessoas, basicamente deslocados em vários dos países da América do Sul. As condições em que se encontra grande parte deste número avassalador de refugiados estão abaixo do limiar da decência e da dignidade.

4. Portugal, a União Europeia e a comunidade internacional não podem, pois, ficar indiferentes a uma crise humanitária e política destas dimensões. E no caso de Portugal, muito menos, quando sabemos a relevância da comunidade portuguesa.

5. O ministro Santos Silva fala agora com propriedade e com nítida consciência do quase grau zero a que se chegou. Passou a não ter qualquer prurido em atribuir as culpas e responsabilidades a Nicolás Maduro e ao seu regime. Até já reconhece que a ajuda humanitária – designadamente em medicamentos ou equipamento e, bem assim, em mantimentos – afinal não chega à comunidade lusa. Eis uma queixa recorrente da comunidade portuguesa na Venezuela, bem antes do agravamento a que assistimos.

6. Subsiste uma matéria em que o ministro e o Governo português têm falhado sistematicamente. Há ou não há membros da comunidade luso-descendente entre os refugiados e deslocados? O Presidente da República garantiu que haveria, pelo menos, no Peru. Que fizemos ou estamos a fazer por esses compatriotas? Estão identificados e localizados? Não haverá condições para os acolher em Portugal?

7. Há outro ponto em que o Governo português mostra um estranho desconhecimento da situação no terreno. Com efeito, nos inícios de Fevereiro, o ministro Santos Silva disse não acreditar na existência e no papel das milícias (os “colectivos”). Ora, não só estes existem há muito tempo (desde o tempo em que, noutro Governo, Santos Silva pactuava com Chávez), como são hoje um dos factores de maior instabilidade. Não há luso-venezuelano que não os tema.

8. É fundamental franquear as portas da Venezuela à ajuda humanitária e criar as condições políticas para a transição do poder de facto para Guaidó. É questão de vida e de morte. É uma questão de dignidade.

Não. "Brexit”. Hoje, mais uma votação do acordo May. Se voltar a perder, fica a hipótese do não acordo (votada amanhã) ou da extensão do prazo (votada quinta). Incerteza e confusão, UE e mundo em suspenso.

Não. Costa e Centeno. A injecção de quase mil milhões de euros no Novo Banco põe a nu o Governo das duas caras. Os portugueses não toleram mais a infinita complacência com a banca.

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