Autarca de Gaia diz que CNE “prestou um péssimo serviço à democracia"

Eduardo Vítor Rodrigues foi alvo de uma primeira queixa anónima por alegada violação da lei. Em causa está uma nota informativa da CNE, divulgada na semana passada, a fazer uma interpretação restrita e rigorosa da lei criada em 2015, pelo então governo do PSD/CDS.

Foto
Joana Goncalves

O presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia considerou esta terça-feira que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) “prestou um péssimo serviço à democracia” a propósito da norma que proíbe publicidade institucional, afirmando que só lhe resta “resistir”.

Em declarações à Lusa, Eduardo Vítor Rodrigues, que é também presidente da Área Metropolitana do Porto (AMP), acusou a CNE de estar a ser “mais papista do que o papa”, ironizando: “Proponho que a CNE faça um despacho e faça um apagão informático até Outubro e assim descansamos todos”.

Em causa está uma nota informativa da CNE, divulgada na semana passada, a fazer uma interpretação restrita e rigorosa da lei criada em 2015, pelo então governo do PSD/CDS.

No entender da CNE, os executivos, nacional ou camarários, não podem fazer publicidade institucional “de actos, programas, obras ou serviços” a partir do momento em que é publicado o decreto de lei a marcar a data das eleições, sendo que a lei é válida para qualquer tipo de eleições, sejam autárquicas, legislativas ou europeias.

Para Eduardo Vítor Rodrigues, esta norma é “ridícula” e revela “falta de noção de realidade”, razão pela qual vai levantar a questão na próxima reunião da AMP.

“A norma informativa diz que o primeiro-ministro não pode sair de São Bento, o Presidente da República tem de apagar o seu site institucional, porque está cheio de tomadas de posição políticas e fotografias (...). Estou a dias de apresentar as melhores contas de sempre da Câmara de Gaia. Vou ser impedido de apresentar as melhores contas porque a CNE não me deixa dizer “melhores contas"? A democracia não é prestação de contas? A CNE está a beneficiar quem prevarica”, considerou Eduardo Vítor Rodrigues.

Usando o exemplo das contas, o autarca apontou que este é o “momento ideal para os autarcas com contas péssimas” porque, desenvolveu, cada um “poderá em Abril dizer que não pode apresentar o relatório para sair limpinho do debate público”.

“Quem tem um bom exemplo para dar não pode, porque é campanha eleitoral. Está-se mesmo a ver o Pedro Marques a ganhar ou a perder votos porque o Eduardo Vítor tem boas contas em Gaia”, afirmou.

O primeiro processo

Eduardo Vítor Rodrigues foi alvo de uma queixa na CNE no âmbito desta norma, a propósito da publicação nas redes sociais de um folheto no qual a Câmara de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, faz um apelo ao fairplay no desporto.

“Distribuímos um folheto que não tem a minha cara, nem o meu nome, não tem nada de propagandístico (...). É impensável continuar com esta vida até Outubro porque não vão faltar malucos a apresentar queixas. Vai ser assim aqui como no país todo (...). A CNE, ainda por cima, dá a mesma dignidade de queixa a uma queixa anónima que dá a uma queixa assinada e devidamente fundamentada”, referiu.

O autarca recordou ainda que a lei existe desde 2015 e que, entretanto, aconteceram eleições autárquicas nas quais era candidato e presidente de Câmara, garantindo que foi “sempre muito rigoroso no cumprimento da separação entre o que é uma campanha eleitoral e o exercício autárquico”.

“Mas agora surge um problema com a interpretação que a CNE transmite por escrito ao país e tive imediatamente uma queixa e vou ter muitas mais. Onde houver um conjunto de doidos disponíveis para fazer este tipo de massacre, obviamente que se vão entreter com isto. Temos é de resistir”, concluiu.

“Censura”, diz autarca de Vila Real

Para o presidente da Câmara de Vila Real, a interpretação da CNE representa uma “censura” e pretende impor uma “medida inconstitucional” que “impossibilita os autarcas de cumprirem o dever” de informar a população. “É uma medida inconstitucional, é uma censura, é uma medida que prejudica a comunicação social local, que também ela divulga este tipo de actividades”, afirmou o autarca socialista. 

Rui Santos disse que perceberia “se esta interpretação se aplicasse às eleições autárquicas”, mas não percebe porque “é que se aplica aos autarcas nas eleições europeias e legislativas”.

“Os autarcas estão impedidos de exercer um dever, que é o dever de informar a população relativamente às suas actividades, aos seus actos e obras que desenvolvem”, frisou. Segundo Rui Santos, a CNE impede “de divulgar qualquer acto, programa, obra ou serviço que não corresponda a uma necessidade pública grave e urgente”.

“A câmara é uma das entidades que promove o Circuito Internacional de Vila Real e o campeonato do mundo de carros de turismo e estamos impedidos de anunciar a nível nacional e local este campeonato”, exemplificou.

Acrescentou ainda que, cumprindo as restrições da CNE, a newsletter periódica do município seria publicada “toda rasurada” porque palavras como “regeneração, recuperação e intervenção estão banidas do léxico da mensagem que os municípios podem transmitir”.

“Aquilo que me parece é que teremos de fazer uma newsletter em que será tudo censurado, porque qualquer palavra descontextualizada será alvo de uma acção contra o presidente da câmara e município. Parece-nos absurdo”, referiu. No entanto, segundo o presidente, “se a oposição quiser criticar o executivo, este não pode responder”.

“Achamos que isto é algo sem pés nem cabeça, de uma mente iluminada que não vive no século XXI e que passa um atestado de menoridade aos portugueses, porque acha que eles confundirão a actividade dos municípios e das empresas municipais com as eleições europeias ou legislativas. É algo inqualificável”, sublinhou.

Rui Santos disse ainda que já foi pedida uma análise jurídica e que hoje o conselho directivo da Associação Nacional de Municípios vai tomar uma posição sobre o assunto. “Uma análise preliminar aponta para a sua inconstitucionalidade. Isto é o lápis azul a regressar a Portugal”, salientou.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários